Quando deixarei meus fantasmas para poder ser eu mesmo?

Postagem anônima no blog literaturacotidiana – 29/5/2013

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Acabo de ver Elena. Difícil começar a falar sobre o filme, diversas perspectivas se abrem, sobretudo a individual. Sim, porque a arte alcança algo de especial quando você diz algo sobre você, absolutamente pessoal, real e próprio; e isto floresce na individualidade de milhares de pessoas, sobretudo a “minha” – no sentido da posse do sentimento, o que também pode significar a “sua”. Está aí o fantástico sobre o Homem e sobre a arte, simultaneamente.

Se não estou enganado fui apaixonado por uma colega que se chamava assim na tenra infância. Talvez por isto, sempre quis ter uma filha chamada Helena. Algo, porém, se pôs no caminho: o destino de Helena. Pode ser algo pueril, sem sentido, mas Helena é um nome de sofrimento, a princípio pela mais famosa de todas, a de Tróia. Sofreu pela sua beleza, a causa segundo a mitologia da guerra que separou o mundo grego em dois durante uma época de semideuses e heróis. Um nome, portanto, que traz a beleza, a dor e todo o peso de um destino de sofrimento.

Mas o filme não trata de Elena propriamente, mas sim de Petra, ou mais precisamente do seu sofrimento pelo sentimento de perda de sua irmã. E trata ainda da mãe, que teve o desgosto de perder a filha em um país estrangeiro com uma filha pequena para cuidar. Fala da jornada que ambas traçaram nos encontros e desencontros com Elena.

O filme é um acerto de contas emocional. Nisto realiza algo que talvez muitos de nós gostaríamos de oferecer para entes queridos que se foram. Possui uma natureza quase arquetípica, quando tribos de tempos imemoráveis dançavam para seus parentes e lhes presenteavam oferendas. E é justamente isto que torna o filme ao mesmo tempo pessoal e universal. Partiu da substância mais propícia para construir uma obra de arte: a dor. Depois de tanto tempo represado, transbordou de uma vez só, realizando algo fantástico e talvez inédito.

Não entendo muito de cinema, mas desconfio, de verdade, que trata-se de uma obra inovadora. Não utiliza dos mesmos recursos narrativos tradicionais de um documentário. Tampouco poderia ser qualificado como tal. Afinal, o filme constrói um enredo além do simples fato – a morte de Elena – e utiliza de inúmeros recursos poéticos para montar sua narrativa. Apesar de estar falando de algo real, não está preocupado com o fato em si, mas sim com o sentimento, inúmeras vezes mais real.

Provavelmente o suporte mais apropriado inicialmente seria o livro para desvendar os sentimentos de Petra. Mas é aí que está a novidade. Pela própria natureza de sua irmã, que de alguma forma se instalou em Petra, a única forma possível de se expressar seria o vídeo, Hollywood, seria tornar a irmã aquilo que ela não conseguiu ser: uma atriz de cinema. Realizando o sonho da irmã, talvez finalmente ela possa descansar, e Petra possa ser ela mesma, plenamente. Quase um acordo espiritual.

E quando nos defrontamos com um filme desse porte, e com esta problemática, tão real desde que o Homem é Homem, fica a pergunta que na minha opinião é o grande legado do filme: e quando eu, no sentido amplo da palavra, deixarei meus fantasmas para poder ser eu mesmo?

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