Intruso no universo de ELENA

Por Adécio Moreira Jr, no blog Poses e Neuroses – 6/9/2013


Eu confesso que me senti muito culpado em estar tão “intruso” no universo de “ELENA”. Culpa maior é ainda querer utilizar sua história e o compromisso inefável de Petra para julgar se o filme é bom ou não. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que Petra Costa é uma mulher muito corajosa. Afinal, ela remexeu numa das maiores feridas de sua família para desdobrar tudo o que envolve um luto. O curioso é notar que voltar-se para esse passado é um caminho de autodescoberta. É se conhecer melhor e confrontar os seus maiores fantasmas para, enfim, transformar dor em arte, sofrimento em inspiração. Dito tudo isso, eis o principal trunfo de “ELENA” enquanto documento pessoal: trata-se de uma obra poeticamente rica, que mistura dor, saudade, admiração e superação.

Depois dessa introdução um tanto quanto hermética (confesso que estou ainda sob o efeito hipnótico do filme), vou apresentar Petra Costa. Essa mulher é uma atriz mineira que cresceu ouvindo de sua mãe a frase “você pode ir pra qualquer lugar, menos Nova York. Você pode ser qualquer coisa, menos atriz”. Em 2003, Petra estava se matriculando num curso de teatro em N.Y., exatamente como fez sua irmã nos anos 90. Elena, a irmã, tinha o sonho de ser uma grande atriz e partiu para a América com apenas 20 anos. Não demorou muito para que sua mãe e a caçula da família (Petra, na época com sete anos) fossem fazer companhia a ela. As dificuldades da profissão fizeram com que Elena caísse em uma profunda depressão, que culminou em seu suicídio por ingestão de aspirinas e álcool. Com o documentário, Petra se utiliza do grande acervo de VHS e K-7 que sua família produziu por anos e faz um apanhado de tudo o que envolve Elena e seu rastro de saudade.

Uma das coisas que mais chama atenção em “ELENA” é o seu estilo visual rebuscado, até mesmo fora do convencional. Imagens sintomáticas e quase sem nenhuma profundidade de campo funcionam como a visão da autora, que narra, em forma de carta, tudo o que a irmã representa para ela. O trajeto não é fácil. São reservados momentos de singela inspiração, como quando Elena descobre que, com a ajuda de uma filmadora, ela pode fazer a lua se movimentar ao som de uma música. Até mesmo a junção da Elena rodopiando quando menina e suas apresentações de dança contemporânea já mulher saltam aos olhos de modo revelador. Elena era uma figura forte não só como pessoa, mas também como objeto artístico.

Dentro desse universo particular, Nova York ganha ares melancólicos. A própria Elena faz o alerta: “aqui você tem que sonhar pequeno, senão a cidade te engole”. Não deixa de ser uma verdade que incomoda, muito menos chega a ser uma exclusividade de Nova York, mas quando estamos lidando com o campo das nossas buscas, todo cuidado é pouco. Essa expectativa gerada e a pressão que insiste em nos boicotar não pouparam Elena, embora ela mesma, obviamente sem saber, acabou se transformando em inspiração para um filme tão belo. Seu olhar distante e sua dança eram seus objetos de (in)compreensão. Para a irmã Petra, nada poderia estar longe de ser penetrável. Nem as lembranças de Elena, muito menos suas próprias reminiscências.

A cena em que Petra, sua mãe e outras mulheres reavivam Ofélia (personagem shakespeariana que se suicida no rio Avon), culmina numa conclusão libertadora: quando nos sentimos imersos numa dor impalatável, a correnteza da água nos ensina que devemos estar sempre adiante. Este é o devir da natureza e, portanto, do homem.

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