Doenças mentais são o nosso problema de saúde mais urgente
22 de julho de 2014

Por Martin Wolf, colunista do Financial Times

Publicado no jornal Folha de S. Paulo, dia 16/07/2014

Tradução Paulo Migliacci

“No Reino Unido, um em cada seis adultos sofre de distúrbios de depressão ou paralisante ansiedade. O mesmo se aplica aos Estados Unidos e à Europa continental”(Foto: SXC)

Depressão e ansiedade causam mais miséria do que as doenças físicas, a pobreza e o desemprego. Também impõem pesados custos econômicos. Mas são suscetíveis de tratamento efetivo e relativamente barato.

No Reino Unido, porém, menos de um terço dos adultos que sofrem dessas doenças recebem tratamento, ante 90% dos adultos que sofrem de diabetes. Apenas um quarto das crianças que sofrem dessas doenças recebem tratamento efetivo. Essa deficiência de tratamento é injusta e altamente ineficiente. Ela existe em grande parte por conta do preconceito continuado e da falta de conscientização quanto à existência de tratamentos efetivos. E é preciso que essa imensa falha seja corrigida já.

É esse, em resumo, o argumento central de um novo e convincente livro intitulado “Thrive: The Power of Evidence-Based Psychological Therapies”, dos professores Richard Layard, da London School of Economics, e David Clark, de Oxford. O primeiro é um conhecido economista. O segundo é psicólogo e um dos especialistas mais renomados sobre terapia cognitivo-comportamental (TCC).

Embora eu seja capaz de avaliar o aspecto econômico da argumentação, não tenho como julgar as alegações feitas sobre a TCC. Mas, apontam os autores, o Instituto Nacional de Excelência na Saúde e Tratamento, responsável por avaliar a efetividade de tratamentos para o Serviço Nacional de Saúde britânico, recomenda seu uso. O que torna a falta de acesso a esse tipo de serviço notável, se não chocante.

No Reino Unido, um em cada seis adultos sofre de distúrbios de depressão ou paralisante ansiedade. O mesmo se aplica aos Estados Unidos e à Europa continental. Essas condições podem incapacitar o paciente. De fato, seu impacto sobre a capacidade da pessoa para funcionar em sociedade é em média 50% mais grave do que o da angina, asma, artrite ou diabete, em termos de incapacitação.

Para os pacientes, a doença mental é um “inimigo interno” – um assalto à personalidade mais doloroso do que o de muitas moléstias físicas. Além disso, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as doenças mentais respondem por 38% das doenças, nos países de alta renda.

Problemas cardíacos, derrames, cânceres, problemas pulmonares e diabetes, somados, respondem por apenas 22% das doenças nesses países. E no entanto, talvez por conta do estigma da doença mental, os sistemas de saúde e empregadores em geral ignoram a severidade desses efeitos.

Acima de tudo, a má saúde mental é, de longe, a mais importante forma de doença que afeta crianças e adultos em idade de trabalho. Já que o impacto das doenças infecciosas em larga medida se dissipou, as doenças físicas tendem a afligir mais os idosos. Isso significa que as consequências econômicas da doença mental são muito mais vastas que as da doença física, e isso sem nem considerarmos o impacto duradouro que as doenças mentais na infância podem causar na vida do paciente.

Uma proporção extraordinariamente alta da população carcerária, por exemplo, sofre de problemas mentais. Cerca de 90% das pessoas que se suicidam sofrem de doenças mentais. O suicídio é uma praga silenciosa: “O número de pessoas mortas por suicídio no planeta é equivalente ao da soma das mortes causadas por homicídios e guerras”. Em 2000, 815 mil pessoas se suicidaram.

“Para os pacientes, a doença mental é um ‘inimigo interno”‘- um assalto à personalidade mais doloroso do que o de muitas moléstias físicas” (Foto: SXC)

Além disso, enfatizam os autores, a doença mental torna muito mais difícil tratar doenças físicas. As pessoas com doenças mentais enfrentam dificuldade para manter seus planos de tratamento. E não devemos esquecer que as consequências da doença mental contribuem significativamente para doenças físicas.

No geral, os argumentos em favor do tratamento de doenças mentais de maneira no mínimo tão enérgica quanto tratamos as doenças físicas são esmagadores. A questão, porém, é determinar se isso é possível. O livro argumenta que os remédios de hoje e, acima de tudo, a TCC, tiveram sua eficiência comprovada em rigorosos testes clínicos. A questão, portanto, envolve uma abordagem científica correta para o desenvolvimento e teste de tratamentos.

“Para algumas condições”, argumentam os autores – mencionando depressão, distúrbios de ansiedade, distúrbio de estresse pós-traumático e bulimia -, “temos tratamentos que levam a recuperação sustentada em metade ou mais dos pacientes, e em melhora considerável para muitos dos restantes”.

Não é uma solução perfeita. Mas é imensamente melhor do que nada. Além disso, tratamentos como esses podem ser efetivos para crianças a partir dos oito anos de idade. O aspecto mais encorajador, ao que parece, é o de que somos os capitães de nossas almas. Ao que parece, é possível ajudar pessoas que sofrem agonias a reconquistar o controle perdido.

Dados os custos econômicos para a sociedade, entre os quais os causados por desemprego, incapacidade, mau desempenho no trabalho e encarceramento, os custos de tratamento se pagariam facilmente. O custo da terapia tampouco é alto: o mesmo que o de um tratamento de seis meses para diabetes como muitos sistemas nacionais de saúde oferecem hoje. Mas o compromisso da maioria dos países de alta renda para com o fornecimento de cuidados universais de saúde é desconsiderado grosseiramente no caso das doenças mentais, sem bons motivos e com um vasto custo econômico, social e pessoal. E isso, argumentam os autores persuasivamente, é um escândalo.

A maioria de nós conhece pessoas que sofrem doenças mentais. Todos conhecem suas devastadoras consequências. Na verdade, os autores argumentam que o fracasso em combater as doenças mentais é um dos motivos para que a infelicidade tenha tão elevada incidência em sociedades que são tão ricas, pelos padrões históricos. Se as alegações quanto a esses tratamentos, procedem, nosso fracasso em não oferecê-los é não só um crime mas um erro crasso. Não devemos permitir que nossos antiquados preconceitos nos impeçam de tomar as providências necessárias.



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