Prevenção

A epidemia de suicídio negligenciada

Por Emily Greenhouse - Revista The New Yorker
Nos Estados Unidos, as taxas de suicídio aumentaram, especialmente entre pessoas de meia idade.

Suicídio e Tecnologia

Facebook cria ferramentas de prevenção

Por Thiago Tanji – INFO Online
Rede social vai monitorar mensagens com conteúdo suicida e oferecer opções de ajuda.
SHS
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Livros

O Suicídio e sua prevenção
José Manoel Bertolote
Telefonemas na Crise
Neury José Botega, Isabel Ugarte da Silveira, Marisa Lúcia Fabricio Mauro
Émile Durkheim
Karl Marx
Sigmund Freud
Fernando Rey Puente
publicado em 22/1/2015
A era dos adictos

Por Camila Appel – Coluna Morte sem tabu – Folha de S. Paulo – 21/1/2015

Print 2015-01-22 às 15.36.23Vamos falar sobre o suicídio.

O tema é considerado tabu e uma questão alarmante. Todos os anos, cerca de 12 mil pessoas se suicidam no Brasil, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), e 800 mil no mundo. A taxa de suicídio cresceu 62,5% nos últimos trinta anos, aumentando o ritmo a partir da virada do século, segundo o Mapa da Violência 2014, organizado por Julio Jacobo Waiselfisz. De acordo com esse estudo, há pouca discussão sobre o tema e haveria um tabu na mídia de divulgar essas questões para evitar o efeito de incentivar suicídios por imitação ou indução, chamado de Efeito Werther. A produção acadêmica também não estaria acompanhando essa realidade. Acesse o mapa neste link.

A OMS divulgou um relatório em 2014, colocando o crescimento das taxas de suicídio como um grave problema mundial de saúde pública. É a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos e há indícios de que para cada adulto que se suicida, 20 tentaram cometer o ato. A instituição afirma que os suicídios são evitáveis e elaborou uma cartilha sobre como preveni-lo. Disponível aqui.  Ela é destinada a profissionais de saúde, mas acredito poder ser útil para o público em geral. Segundo reportagem da Folha sobre esse relatório, o Brasil é o oitavo país no ranking mundial de suicídios.

Tenho escutado cada vez mais notícias de que um amigo de infância, colega de classe ou mesmo amigo próximo, se suicidou. E acredito que não sou a única. Há várias questões fundamentais a serem discutidas do porquê do aumento das taxas de suicídio e o que fazer a respeito. A entrevista abaixo traz o ponto de vista de Thiago Sarkis, psicanalista de Belo Horizonte, membro e supervisor da CAPA*.

Ele faz uma análise dos tempos atuais, refletindo sobre o que chama de “A era dos adictos”. O cenário traçado me parece um bom ponto de partida para a discussão que pretendo trazer cada vez mais a esse fórum. Já abordei em outros posts as campanhas “Precisamos falar sobre o aborto” e a “Vamos falar sobre o luto”. Agora inicio essa: “Vamos falar sobre o suicídio”, seja pensando sobre características patológicas da nossa sociedade ou mesmo em termos práticos.

Dizem que não se fala em suicídio na mídia por causa do tal Efeito Werther, que se baseia na ideia de que explorar o tema pode incentivar potenciais suicidas a cometerem o ato, ao lerem notícias de pessoas famosas que se mataram, por exemplo. De forma mais abrangente, o efeito fala sobre como comportamentos humanos podem ser influenciados por ideias, e tem esse nome herdado de um romance de Goethe – “Os Sofrimentos do jovem Werther” (1774), em que o protagonista se suicida por causa de um amor frustrado. Utilizar o medo desse efeito como justificava para ficarmos calados não é válido e talvez uma das causas para as taxas aumentarem ainda mais. Claro que não é benéfico falar em suicídio de forma sensacionalista, mas fora isso, é fundamental discutirmos esse tema e suas ramificações.

Segue, abaixo, a entrevista.

O que seria a era dos adictos?

Vivemos numa era alarmante quanto ao abuso, à compulsão, ao vício. Não só em relação a drogas (remédios e drogas ilícitas), mas também a vícios de todo tipo: viciados em celular, internet, rede social, futebol, televisão, bebida. Tudo é vício e tudo é vivido à exaustão. Compramos demais, comemos demais, bebemos demais, jogamos demais, teclamos demais, produzimos demais, trabalhamos demais, fazemos exercícios físicos demais, contudo, falamos de menos sobre o que eu chamo de “território do negativo” – fragilidade, tristeza, falta de sentido, dificuldades, desordem, morte, falhas, diacronia, estranheza, desencontros, adoecimentos, suicídio etc. Diferenças então? Nem pensar. Jamais tratamos disso.

Esse cenário pode estar relacionado ao aumento das taxas de suicídio?

Essa situação da adição não necessariamente leva ao suicídio ou teria a ver com o aumento das taxas de suicídio, mas os dois temas tocam a mesma questão, que é a de como lidamos com o vazio na contemporaneidade. Procuramos sempre reafirmar nossa identidade, ou aquilo que está no que eu chamo de “território do positivo”. Fazemos com esse território, que inclui, dentre outras coisas, identidade, potência, capacidade, força, saúde, vitalidade, resistência, beleza, sincronia, sentido, ordem, ideal etc., o oposto do que fazemos com o “território do negativo”. Enquanto fugimos e evitamos a todo custo qualquer contato com o registro da falta, vamos sedentos em busca de tudo – e o tempo todo – que tange ao registro do “positivo”. É importante ressaltar que, quando falo de positivo e negativo não associo qualquer ideia de bom ao positivo e mau ao negativo, nem qualquer coisa similar. O território do negativo apenas marca uma subtração no Eu e o do positivo marca um acréscimo, um “a mais”.

Lidar com o registro da falta não é de fato fácil, mas quanto menos o fazemos, mais dificuldade temos ao nos depararmos com isso. Lembro-me de assistir a jogos de futebol com as torcidas misturadas. Hoje em dia a coisa se agravou de tal forma que decidiram separar as torcidas, inclusive impedir que ambas estejam nos mesmos jogos, porque o lidar com o outro, com esse registro da alteridade radical, com aquilo que não confirma minha identidade mas sim marca uma diferença, traz dúvidas insuportáveis: o que sou eu? Quem sou eu? Sou de fato o que penso que sou? Então, procura-se eliminar a dúvida.

Quais aspectos podem ser vistos como determinantes em casos de suicídio e como isso se correlacionaria com o que estamos falando?

Algo que me parece claro no caso do sujeito que comete suicídio é certo raciocínio peculiar que vai se desdobrando desta maneira: “Não há sentido. Tudo dá em nada. Tudo é nada. Nada é tudo. Eu sou nada. Nada vai mudar. Não há mais nada a fazer”. O sujeito que comete um suicídio, entretanto, não é necessariamente um niilista. O niilista vê a falta de sentido em toda e cada parte ou ao fundo de tudo. O suicida não vê nada além do nada. Ele habita exclusivamente o território do negativo e crê que este território é tudo o que há.

Outro aspecto importante: talvez todos nós já passamos por um ou vários destes pensamentos: “tudo dá em nada”, “não há nada que eu faça que adiante”, “tudo é nada”, “eu sou nada”, “eu não sirvo para nada”, “tudo dá errado comigo”. Enfim, estes e similares. O suicida não é alguém que me parece simplesmente passar por estes pensamentos. Ele é alguém que se afunda nestes pensamentos, que não consegue se desvencilhar minimamente de quaisquer destas perspectivas e que, ao invés de se psicanalisar e se tratar a fim de questionar todas estas certezas, encerra seu suplício indo ao encontro da única coisa que enxerga: o nada.

É absolutamente equivocado e simplista dizer que o pensamento da pessoa que comete um suicídio é um “raciocínio estúpido” ou que, para mudar, basta que a pessoa “pense diferente”. Não é uma questão consciente. O raciocínio descrito é resultado de uma série de fatores que incluem agressividade, ansiedade, sensações de depreciação, exclusão, inutilidade, inoperância, impotência, fracasso em relação às próprias expectativas ou de outros, frustrações, sérios conflitos em relações interpessoais (principalmente com aqueles que operam nas funções paterna e materna) etc. A quantidade de questões singulares que acharemos nestas situações é imensa também. Não há como dizer: “é assim para todos”. No máximo: “generalizando, é assim”. Só ouvindo a história de cada um para entender.

O que mais podemos ver de comum em pessoas que pensam ou chegam a efetivar um suicídio?

Outro ponto comum é ver nas pessoas que falam seriamente em suicídio a aplicação em si de uma agressividade que, na verdade, se desviou: inconscientemente se direciona a outro, porém, algo impede que essa agressividade se realize em relação a este outro, e ela “estaciona” na pessoa ou, em termos freudianos, “retorna” na própria pessoa.

Em outros casos, é possível observar a pessoa agredindo o que há deste outro em si. Ao se ver repetir um ato que repudia e que é usual de algum outro que ele não quer ser e com quem não quer se parecer minimamente (em outras palavras, ao se deparar com uma identificação indesejada), o sujeito pode se agredir de múltiplas formas, dentre elas, o próprio suicídio.

Há um abuso do uso de remédios como anti-depressivos e ansiolíticos?

Em determinadas situações, sim, há abuso. O remédio deixa de ser medicamento e passa a ser droga destinada a perpetuar o estado do paciente, ao invés de ajudá-lo. Por exemplo, já escutei analisandos dizendo que não podem parar de tomar o remédio porque não podem falhar, não podem parar de forma alguma em qualquer âmbito: não podem, nem por um instante, vacilar, parar de trabalhar, parar de ser um bom marido, um bom pai, lidar com os próprios limites, pensar em questões pessoais.

O remédio tem o seu lugar e vem auxiliando para que, mesmo em condições psicológicas desfavoráveis, a pessoa possa seguir a vida. Alguns cenários psicopatológicos são seriamente impossibilitantes e nestes o remédio atua muito bem. Mas o uso do remédio às vezes é que é questionável, pois entra no lugar de uma droga. Ao invés de auxiliar o paciente a lidar com suas questões, o remédio comumente tem surgido como aquilo que se alia ao excesso do paciente e “o ajuda” a não ter que lidar minimamente com quaisquer de suas questões. Algo similar a um jovem que toma uma pílula na boate para poder se manter de pé até o amanhecer. Ou o funcionário que precisa trabalhar a noite inteira e apela a todas as substâncias possíveis para não dormir, “não parar”, “não falhar”. Todos esses cenários partem do princípio da necessidade de se produzir esse “a mais” eterno. É sempre um mais, a coisa não acaba. A pessoa, sim, “se acaba”, mas não sei se no melhor sentido da expressão.

Você vê alguma pressão para sermos felizes?

Uma marca cruel da atualidade é a exigência de felicidade, assim como a necessidade de você transmitir essa felicidade a seus semelhantes e vivê-la constantemente, ininterruptamente. Isso não é felicidade. Isso é mania. Toca mais no pathos do que na felicidade real, que seria mais próxima de coisas momentâneas, do desfrutar, contemplar do que do “se acabar”, ou viver em um interminável excesso. A felicidade não existe initerruptamente. A tristeza tem o seu lugar e é fundamental que ela tenha o seu lugar. Não podemos excluí-la. E ai tocamos novamente no território do negativo: a tristeza, a diferença, a falha, a incapacidade, a dificuldade, a morte, o adoecimento. Não falamos sobre isso, excluímos esses temas das nossas conversas e agimos como tudo isso sequer existisse.

Mas não é possível tamponar essas coisas porque são elas que se afirmam para além de nossa vontade. Podemos fazer o esforço que for, por meio de drogas, de Instagram, de inúmeros selfies, aquisições e compras de todo tipo, sorrisos amarelos de suposta alegria, horas e horas conectados à Internet, mil “amigos” no Facebook que sequer nos conhecem e qualquer outra coisa que nos ajude a ser vistos da forma desejada ou idealizada por nossos semelhantes, mas não adianta. Esse projeto de “eterno a mais” é fracassado desde seu princípio, por tentar afirmar aquilo que – eventualmente – se conquista, e evitar a todo custo aquilo que inevitavelmente se impõe.

Como lidar com isso?

É uma resposta difícil e não penso que falemos de uma cura aqui. Falamos mais de um tratamento, de algum apaziguamento possível. Talvez um ponto crucial seja conseguir encontrar um sentido próprio para a vida; conseguirmos nos esquivar um pouco dos sentidos ofertados e, assim, tentar encontrar um sentido mais particular, que tenha ressonância com nosso desejo, não com a demanda externa.

Essa tentativa eterna de afirmar um positivo faz justamente com que se caia no vazio – em relação ao próprio desejo principalmente. E se não sabemos lidar com isso, porque evitamos qualquer contato com este ponto no nosso dia a dia, acabamos reagindo aos encontros com o “território do negativo” com quadros de ansiedade, pânico, depressão, adição, e até mesmo, o suicídio.

Porque essa questão da adição, como você coloca, está impactando essa era especificamente?

Além da maneira como lidamos com a falta, nossa era tem uma maneira muito particular de lidar com os objetos. É uma via intensa, fusional, sem limite. O que marca a experiência da adição no nosso tempo pode estar conectado a essa experiência ininterrupta com nossos objetos de investimento. Estamos em absoluto curto-circuito com as centenas de objetos com os quais nos relacionamos.

Acho que isso que estou falando é caricaturalmente representado em um episódio recente dos humoristas do “Porta dos Fundos”, chamado “Sem Bateria”, onde um casal está num restaurante e o homem fica sem bateria do celular. Assim, ele é obrigado a conversar com sua esposa e vê que não sabia nada da vida dela, nem de sua própria de certa forma. Esse sujeito é um emblema da adição da nossa sociedade, da vivência funcional com nossos objetos e de como o “vazio” se impõe para além de todos os nossos infrutíferos esforços do contrário. Estamos em curto-circuito.

Qual é o futuro dessa realidade?

O futuro dessa realidade já é um pouco do que vemos na atualidade. Se é um curto-circuito, em algum momento vamos pifar, entrar em colapso. Mas não é uma situação apocalíptica, porque temos nossos meios e temos outras habilidades. Essa questão de nossas relações de objeto tem uma marca muito forte no homem contemporâneo e nos causa danos seríssimos, mas não somos só isso.

Há solução?

Há apaziguamentos, possibilidades de melhora. Algum excesso, porém, estará sempre ali. Ou melhor, aqui (em nós). E cada analisando encontra a sua forma de melhorar a partir da análise. O certo é que uma forma de amenizar esse processo agudo é passar a discutir essas questões, falar dos sentimentos, falar do que dói, abrir as portas a esse território que tão freneticamente evitamos.

publicado em 11/12/2014
Como viver um luto

Por Contardo Calligaris – Folha de S. Paulo – 3/12/2014

Qual é o melhor jeito de viver um luto? Agora que ele/ela morreu, agora que perdi a saúde, agora que a casa caiu, como é que eu faço para continuar com minha vida?

Quase sempre, quem coloca essa pergunta de fora (ou seja, pensando generosamente nas perdas dos outros ou em eventuais perdas futuras) parece acreditar num pressuposto pelo qual, antes de mais nada, quem perdeu um ente querido gostaria de sofrer quanto menos possível e pelo tempo mais curto possível.

Quando passamos por um luto, muitos amigos e parentes apostam no mesmo pressuposto e sugerem que a gente dê um jeito para se distrair e para “esquecer” logo.

Pois bem, o tal pressuposto é errado: “fazer o luto” nunca significa esquecer quem e o que perdemos –ao contrário, para “fazer o luto” e sair minimamente da “fossa” é necessário se lembrar.

Talvez isso aconteça porque se lembrar de quem morreu é um jeito de manter o morto em vida, dentro de nós; sei que essa observação pode parecer mais bonita do que verdadeira, mas aqui vai um exemplo.

Anos atrás, conheci uma senhora idosa, que acabava de perder o único filho (o qual, por sua vez, era jovem e celibatário). Ela ficara sem família alguma, sozinha no mundo; a vida não fazia mais sentido: logo daria um jeito de acabar “esta lástima”.

Detesto mentir para consolar. O único argumento que me veio foi o seguinte: se ela se matasse, o filho morreria de novo, com ela, e desta vez definitivamente, pois não haveria mais ninguém para se lembrar dele.

Encontrei uma curiosa confirmação das minhas palavras, quando li uma crônica de David Eagleman, em “A Soma de Tudo” (Rocco): no Além, todos os mortos estão juntos até o momento em que, na Terra, seu nome é pronunciado pela última vez.

Quando isso acontece, alguém vem e leva o morto embora. Não se sabe para onde ele vai, mas a impressão dos que ficam na sala é que a morte verdadeira é aquela –quando chega a última vez em que o nome é pronunciado na Terra.

Por isso talvez, para todos os autores sérios que tratam do tema, o luto nunca seja esquecimento. E, quanto a mim, faço esforços propositais para me lembrar de meus mortos, para mantê-los naquela sala do Além, antes da chamada final.

Uma outra coisa com a qual quase todos os autores sérios concordam é a recomendação que o luto se expresse numa atividade concreta. Você pode fazer algo que a pessoa que você perdeu gostava de fazer ou que você fazia com ela.

Ou, então, criar algo que torne sólido, tangível o trabalho de sua memória –por exemplo, escrever um diário do luto, contando como ele ou ela lhe fazem falta, mas continuam na sua vida.

Boris Fausto, justamente, nos últimos três anos, depois de perder Cynira, a companheira de uma vida, escreveu o diário de seu luto: “O Brilho do Bronze” (Cosac Naify, R$ 39,90, 240 págs.), lançado em novembro.

Fazia muito tempo que não eu lia nada tão verdadeiro, tão honesto e tão justo. Terminei o livro numa sentada só e guardo ele ao alcance da minha mão; claro, é porque posso querer reabri-lo de vez em quando, mas não é só por isso: “O Brilho do Bronze” é uma obra companheira, como os “Ensaios” de Montaigne ou as melhores coisas de Roland Barthes –quero que o livro fique comigo e me acompanhe durante um tempo.

Talvez seja por causa do próprio luto, talvez seja por causa da idade (84 anos), mas o fato é que Boris Fausto escreve com a liberdade de quem não tem nada para esconder, nem de si mesmo.

Entende-se que livro seja um companheiro e amigo para qualquer um que esteja vivendo um luto. E não diga que ter amigos em carne e osso com quem conversar seria melhor do que ter um livro para ler.

O livro de Boris Fausto é mais sábio do que a média dos amigos. Além disso, uma grande parte dos nossos lutos são inconfessáveis e são vividos sem poder falar nada para ninguém: pense no luto de quem perde o homem da sua vida, que não é o marido –ou a mulher de sua vida, que nem a própria sabia que era”¦

Kenneth Doka, um famoso gerontologista da Faculdade de New Rochelle, em Nova York, descobriu a importância (quantitativa e qualitativa) dos lutos não autorizados (“disenfranchised”), que precisamos viver sozinhos, em silêncio –porque os sentimentos eram e devem continuar escondidos, porque a sociedade não leva a sério a perda que sofremos, porque o laço era de alguma forma vergonhoso e a dor seria uma confissão.

Enfim, com ou sem luto, o livro de Boris Fausto é um amigo para qualquer um que, por qualquer razão, esteja perdendo sua fé na escrita e na leitura.

publicado em 24/11/2014
Cartilha de combate ao suicídio

suicidioEm uma ação inédita, Conselho Federal de Medicina – CFM e Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP firmam parceria para combater os altos índices de suicídio no Brasil. Segundo dados 17% das pessoas no Brasil já pensaram, em algum momento, em tirar a própria vida. Por isso, as duas entidades se empenharam em criar uma cartilha para orientar os médicos e profissionais da área de saúde em casos de tentativa de suicídio ou para identificarem possíveis casos em seus pacientes.

A cartilha foi uma iniciativa do Conselho Federal de Medicina, representado pelo vice-presidente Emmanuel Fortes e pela Comissão de Estudos e Prevenção de Suicídio – ABP.

A cartilha “Suicídio: informando para prevenir” fala sobre como abordar um paciente, explica de que forma as doenças mentais podem estar relacionadas ao suicídio, os fatores psicossociais e dados atualizados sobre o tema.

Conheça e compartilhe a cartilha “Suicídio: informando para prevenir”:

publicado em 24/10/2014
Mais de sete pessoas por hora cometem suicídio nas Américas, afirma OPAS/OMS

Mais de sete pessoas por hora põe fim à própria vida nas Américas, totalizando cerca de 65 mil suicídios ao ano, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), representação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a região.

O relatório, Mortalidade por Suicídio nas Américas, emitido nesta quarta-feira , 22 de outubro, pela OPAS/OMS, se baseia nos dados de 48 países e territórios da região. Suas descobertas mostram que o suicídio é um problema de saúde relevante e uma das principais causas de morte que podem ser prevenidas no continente.

Nas Américas, a taxa de suicídios é, no entanto, menor do que em outras regiões e do que a média mundial. Os índices variam conforme os países, a idade e o gênero, além de fatores culturais, religiosos e até legais.

Entre as sub-regiões, a América do Norte e o Caribe não hispânico têm as mais altas taxas de suicídio. Os homens têm quatro vezes mais probabilidade de morrer por conta de suicídio em todos os países da região, ainda que o número de tentativas seja maior entre as mulheres. Entre todos os grupos etários, a frequência de tais ocorrências é maior entre pessoas com mais de 70 anos. Além disso, transtornos mentais podem estar associados a até 90% dos suicídios.

A diretora da OPAS, Carissa F. Etienne, ainda enfatizou a importância da evolução dos sistemas de saúde para detectar e prevenir os problemas associados à conduta suicida, como a depressão e o abuso de álcool.

“Em todas as comunidades e em todos os serviços de atenção primária devemos identificar, monitorar e prestar atendimento a pessoas que estão em risco. Temos um cuidado especial com aqueles que já fizeram tentativas anteriores. Porém, impedir o suicídio não é apenas responsabilidade dos profissionais de saúde; comunidades, famílias, grupos religiosos e grupos sociais devem se envolver”, disse a diretora.

publicado em 26/9/2014
Mitos e verdades sobre o suicídio

suicidioomsA Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou, neste mês de setembro de 2014, uma cartilha com perguntas e respostas sobre as questões mais recorrentes sobre o suicídio. O texto trata o assunto, ainda tabu na sociedade, de maneira direta e desfaz algumas conclusões que, segundo a instituição, não correspondem à verdade. Uma delas é a de que conversar sobre o suicídio pode encorajar outras pessoas a cometer o ato.

De acordo com os dados da OMS, uma pessoa tira a própria vida a cada 40 segundos. São mais de 800 mil pessoas por ano no mundo todo. O casos de suicídio acontecem, em sua maioria, na faixa etária entre 15 e 29 anos e em pessoas acima de 70 anos. Os homens estão mais propensos do que as mulheres.

Porém, considerado uma epidemia mundial,  o suicídio pode atingir qualquer pessoa, em qualquer momento da vida. O melhor caminho é a informação. Sempre.

Leia as dicas da OMS:

Mito: Pessoas que falam sobre suicídio não têm a intenção de se suicidarem

Verdade: As pessoas que conversam abertamente sobre o tema podem estar procurando suporte ou auxílio. Um número significativo de pessoas que se suicidam sofrem de ansiedade, depressão e falta de esperança, o que as leva a crer que não existe outra saída.

Mito: A maioria dos suicídios acontece repentinamente e sem aviso

Verdade: A maioria dos suicídios são precedidos de avisos verbais ou comportamentais. Há casos ainda em que o suicídio acontece sem qualquer aviso, mas é importante tentar perceber quais são os sinais e procurar por eles.

Mito: Alguém com propensão ao suicídio está determinado a morrer

Verdade: Pessoas com propensão ao suicídio agem de forma impulsiva. O indivíduo pode ingerir drogas, remédios ou pesticidas e morrer dias depois, quando já não havia mais a ideia de suicídio. O suporte emocional no momento certo pode ajudar.

Mito: Alguém que deseja se matar, vai continuar querendo se matar em todos os momentos

Verdade: O maior risco de suicídio acontece a curto-prazo e em situações específicas. Pensamentos suicidas não são permanentes e uma pessoa que já cogitou o suicídio pode continuar vivendo normalmente.

Mito: Conversar sobre suicídio é uma má ideia e pode ser encorajadora

Verdade: Por conta do estigma do suicídio, pessoas que tem pensamentos suicidas não sabem como ou com quem falar. Em vez de encorajar, conversar abertamente sobre o assunto pode dar tempo e opções para o potencial suicida de repensar e desistir da situação.

publicado em 3/9/2014
A Carta – Por Pablo Villaça

Texto publicado pelo cineasta e crítico de cinema Pablo Villaça, em seu site Cinema em Cena. Villaça sofre de depressão há anos e, nessa carta, além de ressaltar o quanto é doloroso e difícil conviver com a doença, confessa um quase suicídio. O que o salvou? O amor.

Pablo Villaça é crítico de cinema e já colaborou com importantes publicações nacionais e internacionais

Pablo Villaça é crítico de cinema e já colaborou com importantes publicações nacionais e internacionais

“A depressão é a mais persistente das amantes. Depois de anos e anos de convivência, ela parece ainda determinada a permanecer na vida de seu companheiro por mais que este a rejeite, a tema e a combata. Mesmo quando se afasta por um longo período, insiste em manter os olhos sobre o amado esperando qualquer sinal de hesitação para retornar e envolvê-lo num abraço inesperado, intenso e saudoso. Por outro lado, sua partida jamais é tão facilmente conquistada: ela se debate, se revolta e finge que vai apenas para voltar durante a madrugada e te surpreender quando, ao acordar, se descobrir abraçado a ela.

Abrir os olhos e constatar o retorno daquela amante é um choque que, de tão comum, deveria deixar de ser choque e se transformar em resignação – caso resignar-se não fosse também condenar-se.

‘Por que você quer dormir tanto?’, já me perguntaram inúmeras vezes. O que não entendem é que não quero dormir; apenas não quero permanecer acordado. Cada minuto de consciência são 180 segundos de dor – e se a matemática parece incorreta, é porque não conhece a lógica temporal da depressão.

‘Mas por que você se entrega?’ ‘Faça um esforço.’ ‘Olhe as coisas boas da vida.”

Não me entrego, faço e olho. A depressão não é uma escolha maior do que a orientação sexual. Ninguém escolhe ser hetero, homo ou bi; você olha para alguém e sente tesão. Ninguém escolhe ser deprimido; você se olha e sente-se vazio. Oco. Mas um oco inflamado, de carne viva, supurante.

As frases se tornam incompletas, mas revelam o mundo em sua insistência em transformar transitivos diretos em indiretos, em interromper sentenças que deveriam continuar. Não sei se, mas queria que. Ponto.

A própria vida, aliás, é repleta de pontuações. Já tive amores que foram vírgulas, reticências, pontos de interrogação ou exclamação. Todos doeram igualmente até que me convenci de que deveria buscar pelo calmo e definitivo ponto final. O ponto final não tenta chamar a atenção sobre si mesmo e nem complica, tentei me convencer. É forte, encerra a sentença, mas é sereno em sua simplicidade. Eu poderia passar algumas noites com dois pontos, sem dúvida, mas perseguia o ponto final. Que sempre ficava para o parágrafo seguinte, a página seguinte, o capítulo seguinte. E quando parecia surgir, logo revelava-se um ponto-e-vírgula que desafiava e feria.

Se a vida é um livro, como insistem alguns, tive páginas viradas, páginas iniciadas, páginas relidas e páginas arrancadas. Mas sempre me redescobria relendo passagens doídas e revisitando frases que considerava lidas e esquecidas.

Da mesma maneira, há amores que são incuráveis. Podem permanecer assintomáticos por um longo tempo, mas vez por outra entram em fase aguda novamente. Por um bom tempo, acreditei que estas reincidências ocorriam graças ao HIV da depressão, que me tornava imune a amores oportunistas, mas depois percebi que esta é uma síndrome comum a todos que já amaram.

Já a depressão é uma aflição ímpar. Muitas vezes, ao ver uma imagem particularmente melancólica retratada em preto-e-branco e exibindo figuras em um passado inespecífico, mas claramente dolorido, senti que haviam fotografado meu coração. Não sei se este é um sentimento comum e duvido que seja. Se for, lamento por todos; se não for, lamento por mim.

>> Conheça a carreira de Pablo Villaça

Caso ainda não tenha percebido, esta é uma carta de despedida. A assinatura que a encerrará é a de um suicida, a de alguém que não estará mais respirando quando você a ler. Os músculos empregados para grafá-la já se encontram rígidos e em breve serão destruídos pelo fogo do crematório.

Sim, eu sei. Que ato covarde. Não me iludo quanto a isso. Não me verá defendendo o suicídio como algo que exige “coragem”. O suicídio de um indivíduo deprimido não exige mais coragem do que a eutanásia de um paciente terminal. Pelo contrário, penitencio-me por minha covardia. Minha desistência diante da dor deixará, atrás de si, um rastro de novas dores. Mas como esta dor irá torturar outros que não eu, posso viver com isso. Com o perdão do mórbido trocadilho e do egoísmo reprovável.

Sempre encarei a vida como uma rua sem saída de mão única. E repleta de frequentes quebra-molas. Neste aspecto, digamos apenas que passei por um deles mais rápido do que deveria e quebrei algo fundamental para a continuação da jornada. Se a altura deste quebra-molas tornou-se maior em função da deficiência de um neurotransmissor específico ou de minhas fragilidades como indivíduo, não sei. Possivelmente uma combinação de ambas. Mas o estrago revelou-se irreparável. Cada novo quilômetro percorrido foi vencido às custas de um esforço avassalador. A depressão não tem pit-stop – ainda que, mantendo a metáfora atrapalhada, constantemente erga uma bandeira amarelada que grita para que todos ao redor do corredor acidentado caminhem mais devagar e prestem atenção à colisão.

As lágrimas constantes são, de certa forma, esta bandeira amarela. O choro, aliás, é um mecanismo curioso: por que nossos olhos vertem água quando estamos tristes? A explicação biológica é a de que as lágrimas provocadas por um choro dolorido trazem constituição química diferenciada, eliminado hormônios relacionados ao estresse e, consequentemente, aliviando o organismo daquele fardo em nível molecular. Já psicólogos encaram o choro como um pedido de atenção e socorro – algo corroborado por evolucionistas, que o estabelecem como um mecanismo empregado para deixar clara a submissão dos frágeis diante dos predadores, o que tornaria mais provável sua sobrevivência em função da falta de perigo sugerida pelo choro.

Já minhas lágrimas são habitualmente reveladas quando estou sozinho. Não são, portanto, um mecanismo de sobrevivência; apenas uma constatação de minha falta de preparo para a mesma. Se eliminam químicos relacionados ao estresse, falham em descartar também aqueles ligados à autopiedade e ao desespero.

Ou talvez eu esteja sendo condescendente comigo mesmo. Muitos perderam pais, amores, carreiras e sobreviveram. Minha incapacidade de fazer o mesmo é um reflexo inclemente de meu caráter, temo.

Villaça é obcecado pela trilogia O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola

Villaça é obcecado pela trilogia O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola

O que me traz aos comprimidos que acumulei ao longo dos últimos dez meses e que, calculo, serão o bastante para me libertar. Há algo de belo nesta rima, convenhamos: a mesma química que me condenou irá possibilitar minha fuga. Não uma fuga graciosa ou elegante, reconheço. Ser descoberto como um cadáver frio num quarto de hotel em uma cidade distante é algo que exclui dignidade – e aqui aproveito para desculpar-me, penitente, à camareira ou ao gerente que, movidos pela inexplicável ausência de respostas, abriram a porta e se descobriram diante de um pedaço de carne antes ocupado por uma personalidade: espero que possam eventualmente esquecer o choque. Consolem-se sabendo que pouparam dor pior a um policial anônimo que eu intencionava levar a me assassinar diante da sugestão de estar armado e pronto a matá-lo.

Não pensem que não percebo a tolice de tudo que eternizei nos parágrafos anteriores. Percebo. E saibam que reli cada frase na esperança de que a vergonha por redigi-las me demovesse do que vem a seguir. Mas a dor é maior que o embaraço – e isto deveria ser o suficiente para que constatasse a dimensão do vazio que move minha mão até o frasco e deste à minha boca. Dez comprimidos. Vinte. Trinta. Quarenta. Se uma pílula garante oito horas de sono atipicamente tranquilo, cinco dezenas asseguram o fim do tormento que retorna assim que o sono chega ao fim. A escolha é óbvia, não?

A vida é como uma viagem de avião: sempre amei a decolagem, considerei o voo em si entediante e temi o pouso depois de ler que era a parte mais perigosa da jornada – e o paralelo é claro, já que a parte inicial de nossa passagem por este planeta é excitante e repleta de descobertas à medida em que vemos o mundo a partir de uma nova perspectiva que, com o tempo, se torna monótona e cansativa até culminar num desfecho que traz a possibilidade cada vez maior de uma destruição iminente e súbita.

A diferença é que, aqui, sou o único piloto e o único passageiro – e o compartimento de bagagens traz apenas malas e malas de memórias que insistem em corroer a fuselagem do avião, garantindo a impossibilidade de um pouso doce.

E o que me dói é saber é que há pessoas que amo esperando minha aterrisagem. A estes, peço sinceras desculpas e espero que compreendam que tentei, por mais de quatro décadas, encontrar uma maneira de me manter voando.

Lembrem-se, meus amores: saudade é algo que não se mata; se abraça.

Abracem-me. Abracem os risos que experimentamos, as graças que fizemos e as conversas que tivemos. Lembrem-se do meu rosto sorridente, não daquele que infelizmente viram na maldita caixa de madeira que emoldurou meu cadáver. Lembrem-se da minha voz, dos meus escritos, dos meus tweets, dos meus posts estúpidos no Facebook e de cada like que dei nas bobagens que vocês escreveram e que, sim, me divertiram por segundos passageiros.

E compreendam que eu teria permanecido presente caso enxergasse alternativa ao que farei assim que dobrar esta carta e acondicioná-la no envelope que será descoberto ao lado do meu cad…”

O toque do celular quebrou o fluxo da escrita.

Ele olhou para o aparelho e viu o retrato da filha mais nova que ilustrava seu contato. Por vários segundos, debateu internamente sobre atender ou não a chamada.

– Alô.

– Papai?

– Oi, meu amor.

– Tudo bem?

– … Tudo, princesa.

– Como está a viagem?

– … Como sempre.

– Liguei só pra dizer que te amo muito. E que estou com saudades.

Ele sentiu os olhos se encherem d’água, liberando a química do estresse e seu reconhecimento de vulnerabilidade.

– Também estou com saudades, meu bem.

Silêncio.

– Bom… era isso. Vejo você sábado, né?

– Papai?

– Sim, linda. Você me vê sábado.

– Então tá. Beijo.

– Um beijo.

Desligou o telefone.

Diante de si, quase 1.500 palavras de despedida e justificativas doloridas. E um frasco com 70 comprimidos.

Olhou para o teto do quarto do hotel e respirou fundo.

Seria tão fácil desistir. Tão fácil.

Encostou o queixo no peito e fechou os olhos.

Pegou as folhas de papel e, depois de quase rasgá-las, optou por dobrá-las e guardá-las no bolso interno do casaco. Cerrou o frasco que encontrava-se sobre a mesa, segurou-o com força e, depois de alguns  segundos, o retornou ao forro da maleta que sempre o acompanhava.

Concentrou-se no rosto dos filhos, embriagou-se e desmaiou sob o chuveiro.

publicado em 1/9/2014
Animação ajuda a compreender a depressão

Por Catraca Livre – 1/9/2014

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A depressão atinge cerca de 350 milhões de pessoas em todo o mundo e não tem preconceito: homens, mulheres, crianças, velhos, jovens, ricos e pobres, todos podem ser afetados por ela.

Apesar de afetar tantas pessoas, o preconceito e a falta de estratégias de prevenção faz com que apenas 10% com o problema tenham acesso ao tratamento.

A OMS (Organização Mundial da Saúde), em parceria com o escritor e ilustrador Matthew Johnstone, produziu uma animação que mostra de forma simples e direta o que é a depressão e, o mais importante, como é possível se livrar dela.

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Usando a metáfora do “grande cão negro”, que é utilizada desde o século 16, o vídeo explica alguns dos sintomas e como a depressão prejudica a vida de uma pessoa. O diálogo, a aceitação, o tratamento e até mesmo o exercício físico são grandes aliados na missão de transformar a assustadora fera em cão domesticado, por mais impossível que isso, às vezes, possa parecer.

A figura de um cão preto foi usada pelo escritor inglês Samuel Johnson, em 1780, para descrever sua própria depressão e popularizada primeiro-ministro britânico Sir Winston Churchill, que também enfrentou o problema.

publicado em 20/8/2014
Crise econômica e risco de suicídio nos jovens

Por Joel Renno – Blog Mentes Femininas – Estadão – 18/08/2014

depressao_mulherO número total de suicídios teve aumento significativo no Brasil. Passou de 6.743 para 10.321 no mesmo período, uma média de 28 mortes por dia. As taxas de suicídio são muito superiores às mortes associadas à depressão porque, na maioria dos casos, o atestado de óbito não traz a doença como causa associada.

No período de 16 anos, o número de mortes relacionadas com depressão cresceu 705% no Brasil, mostra levantamento inédito feito pelo jornal O Estado de S. Paulo com base nos dados do sistema de mortalidade do Datasus. Estão incluídos na estatística casos de suicídio e outras mortes motivadas por problemas de saúde decorrentes de episódios depressivos.

Há diversos fatores de risco associados ao suicídio.  Demissões em massa desencadeiam comportamento suicida em adultos e até em algumas categorias de adolescentes, segundo um estudo atual publicado, em 2014, no American Journal of Public Health. Pesquisadores da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Duke, nos EUA, avaliaram, entre 1997 e 2009, os efeitos de demissão em massa em uma população diversificada de 400 mil  adolescentes – com idade média de 16 anos.

Os resultados mostraram que quando 1% dos jovens em idade de trabalhar (indivíduos de idades entre 25 a 64 anos) perderam seus empregos, todos os comportamentos relacionados com o suicídio (ideação, planejamento e tentativa) avaliados no estudo aumentaram 2% em meninas, enquanto os meninos não foram afetados.

Para as meninas, a dificuldade econômica parece ter piorado tendências suicidas existentes, segundo os autores sugerem. Ao observar a etnia, o aumento de suicídio na população afro-americana é nítido. Demissões em massa não afetaram os comportamentos relacionados com o suicídio em adolescentes brancos ou hispânicos. Os pesquisadores esperam que suas descobertas possam ajudar os médicos a identificar os adolescentes que poderão estar em maior risco de suicídio.

Extrapolando esses dados para o Brasil, dá para fazer uma análise ou hipótese de que adolescentes ou jovens adultos em dificuldades econômicas possam ser mais vulneráveis à depressão e ao suicídio. O pior é que essas pessoas têm pouca assistência ou possibilidade de tratamento da depressão na Rede Pública de Saúde nacional e o diagnóstico precoce da depressão raramente é realizado.

Profissionais da área clínica e que trabalham com adolescentes devem ficar atentos e serem preparados para entender que em momentos econômicos difíceis pode haver aumento de transtornos mentais e do risco de suicídio – principalmente na população mais carente e desassistida pelo Estado. A própria Comunidade pode contribuir com importantes discussões sobre cuidados de primeira linha que sejam eficazes e baratos na prevenção de suicídio.

Por fim, já passou da hora dos clínicos serem capazes de fornecer ferramentas educacionais importantes em saúde mental, respaldados por ações comunitárias e escolares. Medidas simples, planejadas e baratas podem trazer bons resultados.

publicado em 28/7/2014
‘A depressão está sempre ali de alguma forma’, diz Andrew Solomon

Mais de uma década depois do lançamento do livro ‘O demônio do meio-dia’, escritor revela que ainda sofre com a doença

Publicado no jornal O Globo – 27/07/2013

Por Viviane Nogueira

O autor americano Andrew Solomon: "A depressão me colocou em contato com o mistério da experiência humana, me ensinou a fazer o máximo nos dias em que eu não estou deprimido."

O autor americano Andrew Solomon: “A depressão me colocou em contato com o mistério da experiência humana, me ensinou a fazer o máximo nos dias em que eu não estou deprimido.”

Quando o livro “O demônio do meio-dia” surgiu, em 2001, houve quem o considerasse um tratado sobre depressão. Venceu o National Book Award e foi finalista do prêmio Pullitzer, além de um dos 100 melhores da década segundo o diário inglês “The Times”. Agora a Companhia das Letras o relança com a presença do autor, o americano Andrew Solomon, na Flip.

Como o senhor revê seu livro hoje? O Andrew Solomon atual ainda se reconhece ali?
Sim. Eu ainda tenho depressão, ainda tomo remédios e faço tratamento. Há muito tempo não tenho uma daquelas crises catastróficas em que não conseguia me mexer. Definitivamente é uma parte do que eu sou, e ter escrito um livro sobre o tema não foi só para ajudar as pessoas, mas para me lembrar de como foi sério, para que nunca pudesse me esquecer de que não seria quem eu sou hoje se não tivesse passado por aquilo.

O senhor diz que o livro o transformou em um depressivo profissional. Isso é não é um pouco perigoso?
Pode ser um pouco cansativo. Eu escrevo no mínimo três cartas por dia para pessoas que visitam meu site e contam suas experiências com a doença. Virei uma espécie de confidente, e, de uma certa forma, é maravilhoso. Às vezes recebo as cartas e vejo que consigo ajudar as pessoas, é ótimo, especialmente aquelas que não estão recebendo tratamento adequado. Mas, quando estou deprimido, é um fardo ouvir os relatos de desespero dessas pessoas sobre a doença.

No epílogo da nova edição, escreveu sobre seus filhos, dizendo que são “antidepressivos”. Ser pai lhe tirou o direito de morrer?
Sim, certamente. Eu sempre pensei que, se fosse para ter filhos, eu deveria estar presente, ser responsável e não estaria autorizado a morrer ou a me fechar no meu universo particular. Se tivesse outra depressão aguda como a que tive em 1994, acho que estaria perdido, não posso submeter crianças pequenas a um pai que não consiga lidar com as coisas. Quando isso acontece, não há o que fazer, e ter tido filhos não evita a minha depressão, mas me motiva a lidar com ela da melhor maneira possível.

Quais as idades dos seus filhos hoje?
George tem 5 anos, Blaine tem 6 anos e meio, Oliver e Lucy, que são filhos biológicos do John e fazem muito parte das nossas vidas, têm 10 e 14 anos.

Tem medo que a doença se manifeste em seus filhos biológicos?
Essa é uma das coisas que mais me preocupam. Todos temos uma característica negativa que passamos para os filhos. E eu me preocupo que seja essa a que eu venha a passar para eles.

O senhor teve outros colapsos depois do lançamento do livro, em 2001?
Não aqueles em escala monumental, mas houve períodos em que me senti sobrecarregado, tive crises de ansiedade e situações em que sabia que não estava 100%. Tive um episódio de depressão quando meu novo livro (”Longe da árvore”, em que trata da própria homossexualidade) foi lançado, em 2012. A vulnerabilidade de mostrar ao mundo um trabalho que fiz durante 11 anos foi terrivelmente difícil, comecei a ter crises de pânico e sentia como se não as estivesse superando. Voltei aos meus médicos, ajustei os medicamentos… A depressão está sempre ali de alguma forma.

A capa da nova edição do livro "O demônio do meio-dia"

A capa da nova edição do livro “O demônio do meio-dia”

Como está hoje?
Tomo meus remédios, vou ao psicoterapeuta e tento ajustar minha vida a coisas que acho realmente importantes: procuro dormir bem, não bebo muito álcool e me alimento de forma balanceada, mas acho que, se eu não tomasse os remédios, estaria com problemas. A diferença agora é que tenho uma grande rede de apoio, com pessoas que sabem tudo sobre depressão e têm meu histórico da doença. Toda vez em que não me sinto muito bem, posso recorrer ao John porque ele é muito bom para cuidar de mim nessas circunstâncias vulneráveis. Eu não tenho mais a sensação que costumava ter quando estava deprimido, a sensação de que estar perdido e sozinho no mundo.

O senhor costuma escrever que o amor ajuda…
Não é uma prescrição muito útil para momentos de crise: “ah, está deprimido, seria bom se mais pessoas o amassem” (risos). Mas se sentir amado e forte é uma defesa não contra a depressão biológica, mas contra os sintomas.

Uma das críticas aos remédios de depressão é que eles paralisam o paciente. O que suas pesquisas em medicamentos dizem disso?
Em primeiro lugar eu diria que os remédios que temos hoje são ótimos. Há 15 anos eu não poderia ter a vida que tenho hoje, passaria muito mais tempo em terrível depressão. Ao mesmo tempo são uma marreta, acho que quando meus netos nascerem vão me dizer “não acredito que você tinha que tomar essas drogas terríveis”. Os remédios são maravilhosos e úteis mas tem vários efeitos colaterais, não há como negar. Mas para as pessoas que estão tomando remédio sem ver efeito sobre a doença, eu diria que estão tomando os remédios errados, ou uma combinação errada de medicamentos, porque o que os remédios devem fazer e fazem por mim é colocar as emoções em uma escala certa. Quando eu estava deprimido, ficava assustado com a ideia de tomar banho ou almoçar ou retornar um telefonema; hoje tenho esse sentimento pelo horror do que acontece em Gaza ou Israel, ou pelas relações interpessoais que dão errado, ou pelo aquecimento global e o que está acontecendo com nosso planeta.

O que a depressão o ensinou sobre si mesmo?
Eu acho que me ensinou que às vezes a mente e o humor podem ficar mais significativos que a realidade. E que o relacionamento entre o que você é física e biologicamente X espiritual e intelectualmente é complicado ao ponto de ninguém ser capaz de entender ou descrever. A depressão me colocou em contato com o mistério da experiência humana, me ensinou a fazer o máximo nos dias em que eu não estou deprimido. Todos os dias em que acordo me sentido bem são um assombro. E acho que me ensinou compaixão por outras pessoas. Eu cresci em um ambiente confortável, tive altos e baixos, lidei com eles mas acho que de forma geral sempre estive muito protegido. E ter essa experiência me mostrou como é estar totalmente desamparado, o que me faz lidar melhor não só com as pessoas que sofrem de depressão, mas com as que têm deficiências, falta de instrução, de oportunidade, de habilidade, com todas as outras coisas que tornam as pessoas vulneráveis das maneiras mais variadas.

Mais de 350 milhões de pessoas têm depressão, 5% da população mundial, dados da OMS de 2012, de lá pra cá deve ter aumentado. E ainda é uma doença que sofre preconceito ou deixa parentes e amigos desconfiados e desconfortáveis?
Eu acho que deixa alguns parentes e amigos desconfortáveis, e não dá para saber de antemão quais serão. Quando eu tive a minha primeira crise, procurei uma amiga que eu tinha desde os 12 anos de idade, mas ela não soube lidar comigo, se afastou de mim por um longo tempo. Hoje nós somos amigos, mas não da mesma forma. Foi um choque para mim e abalou nossa amizade. Por outro lado, uma outra amiga com quem eu costumava ir a festas, e era engraçada, e a quem eu jamais recorreria nesta situação me ligava todos os dias, me convidava para jantar em sua casa com seu marido e filha, conversava sobre trocar meus médicos… Hoje temos uma amizade um milhão de vezes mais íntima do que seria se não tivéssemos vivido isso juntos.

O senhor acredita que hoje, a sociedade do aplauso, dos selfies e do facebook contribua para a depressão?
Eu acho que há um grande apelo sobre depressão hoje e a vida moderna traz dificuldades diferentes das enfrentadas cem anos atrás. Há cem anos seu filho morreria de febre tifoide e não há nada de bom nisso. Mas atualmente acho que as pessoas passam muito tempo interagindo com máquinas em vez de com outros seres humanos. Acho que pode ser muito alienante. As pessoas têm muitos amigos no Facebook, mas não estão de fato vendo ninguém, olhando nos olhos de outras pessoas, não há uma conexão íntima. Eu acho que o mundo está superpovoado, as pessoas veem muita TV e não dormem direito, mas quanto á internet, não acho um bom substituto para as relações humanas.

O senhor usa Facebook, Instagram?
Sim, uso de forma seletiva, não é nem um pouco desagradável, é bom estar lá e interagir com as pessoas. O problema é quando se substitui por uma intimidade mais autêntica e profunda.

 

publicado em 23/7/2014
SPCine destinará mais R$ 1 milhão para distribuição de filmes paulistas

Por Secretaria Executiva de Comunicação da Prefeitura de São Paulo

Reabertura do Cine Belas Artes: Prefeitura de São Paulo  foi responsável pela articulação da parceria entre patrocinador, proprietário e exibidor.(Foto: Cesar Ogata / SECOM)

Reabertura do Cine Belas Artes: Prefeitura de São Paulo foi responsável pela articulação da parceria entre patrocinador, proprietário e exibidor.(Foto: Cesar Ogata / SECOM)

A Prefeitura de São Paulo, por meio da SPCine (Empresa de Cinema e Audiovisual de São Paulo), lançou no dia 19 de julho um edital complementar no valor de R$ 1 milhão para a distribuição e comercialização de filmes paulistas já montados. O aporte foi anunciado durante coletiva de imprensa realizada na sede da administração municipal no dia 17 de julho para o detalhamento da reabertura do Caixa Belas Artes, cinema localizado na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação.

“Esse momento de anúncio do Belas Artes é um momento importante para o cinema paulista e brasileiro, e nós resolvemos fortalecer essa celebração com o anúncio de um edital da SPCine, empresa recém-criada pela Prefeitura com participação do governo do estado e da Ancine, que consiste em um investimento em 10 filmes paulistas que estão sem distribuidora e sem tela em São Paulo”, disse Alfredo Manevy, secretário-adjunto municipal da Cultura.

Segundo Manevy, um levantamento realizado em fevereiro deste ano indicou a existência de 50 filmes paulistas que estavam sem distribuidora e espaço no mercado exibidor. Diante desse cenário, a Secretaria Municipal de Cultura lançou um edital de distribuição e comercialização de longas-metragens, que deu início ao Programa de Apoio à Distribuição e Comercialização de Filmes de Longa Metragem.

Inicialmente foram disponibilizados R$ 2 milhões para auxiliar a participação de produções em salas comerciais. Filmes como “Praia do Futuro”, “O Lobo Atrás da Porta” e o documentário “Dominguinhos” estavam entre os 20 projetos selecionados pelo edital. Cada produção recebeu R$ 100 mil, valor destinado para a produção de trailer, cópias, cartazes, logística e estratégias de divulgação do filme.

No dia 19 de julho, este edital será suplementado em R$ 1 milhão para seleção de mais 10 filmes, que terão seu lançamento apoiado em todo o Brasil, além de terem pré-estreia garantida no Cine Caixa Belas Artes.

“O cinema brasileiro está em um bom momento. Acho que tem tudo para crescer muito. Eu acho que a exemplo do que aconteceu com a RioCine, a SPCine terá também papel fundamental, sobretudo porque aqui o arranjo é federativo. Nós temos um audiovisual forte em São Paulo e temos tudo para que o nosso cinema decole”, disse o prefeito Fernando Haddad durante a coletiva de imprensa.

Segundo Haddad, a Prefeitura deve instituir cerca de 80 salas para a exibição de filmes em toda a cidade de São Paulo ainda neste semestre. Integram esse circuito não só a sala SPCine, no Caixa Belas Artes, mas também os 45 CEUs, Casas de Cultura e Centros Culturais. A programação dessas salas serão organizadas pela Secretaria Municipal de Cultura, atrelada à empresa municipal de cinema. Todos os filmes cuja distribuição for financiada pela SPCine, por exemplo, terão exibição garantida nesse circuito.