Elena de Troia, Elena de Nova York
18 de agosto de 2014

O historiador brasileiro Nicolau Sevcenko, deu aulas em Harvard, discursou sobre ELENA em abril de 2014, na universidade americana

O historiador brasileiro Nicolau Sevcenko, deu aula em Harvard, discursou sobre ELENA em abril de 2014, na universidade americana

No dia 13 de agosto, o historiador brasileiro Nicolau Sevcenko morreu, aos 61 anos, vítima de um infarto. Sevcenko estava em sua casa, em São Paulo.

Professor da USP (Universidade de São Paulo) e da Harvard University, nos Estados Unidos, Sevcenko especializou-se em história social e cultural e teve passagem pela Universidade de Londres, onde fez seu pós-doutorado e deu aulas. Descendente de imigrantes ucranianos,  Sevcenko era considerado um discípulo de Sergio Buarque de Holanda (1902- 1982), autor do respeitado ensaio Raízes do Brasil. Escritor e tradutor, Sevcenko ganhou, em 1999, o Prêmio Jabuti com o livro História da vida privada no Brasil. O historiador também foi editorialista do jornal Folha de S. Paulo.

Em abril de 2014, Sevcenko aceitou o convite para participar de um debate sobre o filme ELENA na Harvard University, ao lado da diretora Petra Costa e do professor Robb Moss. Em sua fala inicial, disponível abaixo, ele requalificou o mito grego de Elena e, tendo como base filme de Petra Costa, o trouxe para os dias atuais:

 elenatroia“Eu penso em como esse filme parece um sonho e em como o título é composto apenas pela palavra “Elena” e nada mais. Um nome grego que ressoa lendas e mitos – Elena, aquela que foi sequestrada. Elena de Tróia e Elena de Nova Iorque; Elena, aquela que desapareceu. Elena, cuja tristeza impulsiona a maior e mais épica guerra que já aconteceu na humanidade.

A ausência de Elena é fonte de tanto sofrimento e tragédia. Mesmo que se destruam cidades e culturas inteiras, toda uma civilização… ainda assim não se pode restituir seu amor perdido. Nesse sentido, ela é o exemplo maior da inextricável evanescência do desejo. No filme, isso se torna algo ainda mais misterioso uma vez que essa evanescência sobrepõe-se em três personagens diferentes – a própria Elena, sua irmã Petra e sua mãe.

des5Em vários sentidos e dimensões esses três personagens misturam-se, compartilham sentimentos, emoções e afeições… há um grau de intimidade tanto que não se distingue mais uma da outra. Esse é o grande mistério do filme Elena – que certamente tem muitos outros, mas dos quais esse se destaca dos demais. Como pode tanto sofrimento, tanta dor, tanta desolação tranformar-se em algo tão lindo, poético e inspirador para todos? Novamente, se fizermos referência à Elena mitológica, podemos ter alguns insights. A palavra Elena, aliás, em grego quer dizer tocha, luz… Ela é então a luz que foi roubada da Grécia, que foi entregue a um povo diferente, a uma cidade diferente, a uma cultura diferente. E é isso que essa história conta. Para os gregos, Elena era primariamente um símbolo de tragédia. Para os românticos do século XIX, por outro lado, Elena representa a epítome e a síntese de toda as ares e, nesse sentido, ela é o próprio significado da guerra.

elenayeDaí o mistério – ou, melhor, a magia – de Elena, o filme. Sua habilidade em transformar a melancolia patológica em algo sublime e reconciliador. O que de especial une essas três entidades – Elena, Petra e sua mãe – é essa sensibilidade particular, essa predisposição que todas têm para as artes, em se expressarem de qualquer forma artística que queiram. Música, dança, teatro, cinema e fotografia, mas também desenho e poesia. Esse viés multiartístico é o que dá coerência a todo o filme, do começo ao fim. É um tipo de arte que, no final, satisfaz nossos dolorosos desejos de que Elena nos envie por esse labirinto mágico que nos traz paz, conforto e reconciliação. Nesse sentido, acho que o filme faz muita justiça à Elena, a aflita artista, mas também à Elena, a mitológica. O que nós, como audiência, compartilhamos com o filme é nossa compaixão e reunião espiritual e artística com todas essas personagens, essas três silenciosas entidades, assim como com o ser mítico dentro de cada um de nós… nossa condição humana maior. E por isso creio que o filme seja uma obra-prima em termos de sensibilidade e em comunicar como a dor pode ser transformada pela magia das artes em sublimação, compaixão e enorme consideração. É isso. Obrigado.”

 

Assista à integra do bate-papo (em inglês)

Elena x Harvard Panel from Kevin C. Y. Tseng on Vimeo.



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