Vilanela da mãe suicida
19 de dezembro de 2014

C.K. (Charles Kenneth) Williams
Tradução: Carlos Machado

Às vezes passo horas sem verter meu pranto.
Mas depois sinto: sem chorar, vou à loucura.
Sua vida não foi só morte e desencanto.

Tentar, ela tentou, mas desistiu de tanto.
Também cansei: buscar razões é vã procura.
Às vezes passo horas sem verter meu pranto.

O desespero, a raiva, a negação. No entanto,
eu jamais a culpei por minha dor sem cura.
Sua vida não foi só morte e desencanto,

nem é minha somente a luta e o acalanto
para salvá-la, pesquisando, ardendo com doçura.
Às vezes passo horas sem verter meu pranto.

Se eu dissesse: foi fácil, mentiria, e quanto.
Entre ela e o mundo havia uma vidraça escura.
Mas a vida não foi só morte e desencanto.

Porém o fato, o fato ainda causa espanto.
Como grilhões, a ausência dela me tortura.
Às vezes passo horas sem verter meu pranto.
Sua vida não foi só morte e desencanto.

 

VILLANELLE OF THE SUICIDE’S MOTHER

Sometimes I almost go hours without crying,
Then I feel if I don’t, I’ll go insane.
It can seem her whole life was her dying.

She tried so hard, then she was tired of trying;
Now I’m tired, too, of trying to explain.
Sometimes I almost go hours without crying.

The anxiety, the rage, the denying;
Though I never blamed her for my pain,
It can seem her whole life was her dying,

And mine was struggling to save her: prying,
Conniving: it was the chemistry in her brain.
Sometimes I almost go hours without crying.

If I said she was easy, I’d be lying;
The lens between her and the world was stained:
It can seem her whole life was her dying

But the fact, the fact, is stupefying:
Her absence tears at me like a chain.
Sometimes I almost go hours without crying.
It can seem her whole life was her dying.

C.K. (Charles Kenneth) Williams
In The Vigil
Farrar, Straus & Giroux
New York, 1997

 

Nota do tradutor

A vilanela é uma forma poética fixa de origem pastoral, proveniente de canções camponesas. Surgiu na França, mas é praticada principalmente em língua inglesa. Trata-se de um poema de dezenove versos, sendo cinco tercetos e uma quadra. Há dois refrões ― o primeiro e o terceiro versos do primeiro terceto ― que se repetem, alternadamente, como o último verso das estrofes seguintes. A última estrofe, o quarteto, mantém o formato de um terceto normal, acrescido do segundo refrão. A estrutura das rimas é aba aba, nos tercetos, e abaa no quarteto. Portanto, há apenas duas rimas.

Neste poema, os versos de C.K. Williams (que obedecem ao padrão métrico inglês, diferente do nosso) têm, em geral, nove ou dez sílabas. Usei na tradução versos de 12 sílabas. Excedi essa medida no segundo verso do quarto terceto, verso que também no original é o mais extenso.



<<< voltar para Livro