“ELENA é o poema que eu gostaria de ter escrito”
1 de maio de 2013

Por Ricardo Gazel – 1 de maio de 2013

Ontem peguei um avião em BH para ir a SP assistir ao filme ELENA na Mostra de Cinema de SP (outubro de 2012). Voltei hoje e, às 3 da manhã, continuo tonto com as emoções, a enxurrada de sentimentos que Elena despertou e revirou e acalmou e tornou a revirar e, sei, vai continuar revirando e acalmando e tornando a revirar por muitos dias ainda.

ELENA, o filme, é o poema que eu gostaria de ter escrito. Às vezes trágico como um verso de Bandeira (“a vida inteira que poderia ter sido e que não foi”), às vezes divertido como a cena da banheira quando a criança Petra não quer cantar enquanto se lava. Mas na maior parte do tempo sentimento puro, destilado, como uma redução de vinho onde o sabor é tão concentrado que uma porção, por menor que seja, te desperta viagens gustativas no tempo e no espaço. Imagine um filme que é uma concentração absoluta, fundamental de sentimentos, de emoções, de insights, a maioria destes da alma feminina. Um filme sobre mulheres, feito por mulheres (a equipe é predominantemente feminina e jovem), e que me fez, homem, chorar como não chorava desde a morte da minha mãe no ano passado.

ELENA não é um filme para os fracos de coração. No entanto é um filme de redenção, de completa aceitação da condição humana. Quando as luzes se acenderam ao final do filme ontem à noite, o silêncio era absoluto. Estava previsto um debate a seguir. Alguém da plateia disse que seria impossível debater. Estávamos todos ainda em estado-de-choque, seria necessário tempo para elaborar e absorver, mesmo que parcialmente, todas as emoções que o filme despertou para poder recobrar a capacidade da fala antes de qualquer debate. Creio que ELENA remeteu cada participante (ninguém é mero espectador de ELENA) à sua própria tragédia, sua própria perda, à sua necessidade de redenção. Lembrou-me o que li sobre a primeira apresentação de Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues. Ao acender as luzes a plateia não reagia, anestesiada, em choque. Precisou de alguns minutos para o primeiro iniciar o aplauso e, crescendo, chegar à apoteose que foi. Quando as emoções são grandes, leva tempo para reagir. Mesmo agora, passadas mais de 24 horas que assisti a ELENA, minhas emoções estão à flor da pele, e vou ter que ruminá-las por muito tempo.

Ricardo Gazel é diretor do Instituto Inhotim.



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