Travessia
16 de maio de 2013

Por Danieli Aparecida dos Santos – 16 de maio de 2013

E no silêncio, o efêmero dança. Enquanto nós, em passos fugidios, tocamos levemente o impalpável e seguimos.

Corrompidos e assombrados com o torpor das chamas altas. E o silêncio nos subtrai, pouco a pouco, aponta a fronteira do indizível, do sem-nome, do impossível; avança sobre nossos retratos sem molduras, cavalga em nosso corpo-memória e gasta o tempo que há em nós.  Esculpe em nossa carne um flagelo em cores mornas. E se vê medo nos olhos e ventos. Fome anterior e perpétua.

O oblíquo das horas e as repetições todas. Os pequenos invólucros. As esquinas. Tantos caminhos e nenhum. Tantos caminhos e um só.

Água escorrendo, esgarçando nossas superfícies e poros. Estradas abertas. O dentro e o fora e o não-mais. Costuramos o silêncio com nossos olhos baços. Remendamos os espaços e abraços fortuitos, as tréguas. deixamos os rastros, a madeira fina e seca e traçamos descalços o rumo do infindo, incansáveis. Nossos nós e pedrarias, pó. Nossas estacas. Encruzilhadas. O fio cru do açoite, sem nenhuma cruz, a noite fria. Atravessamos, hesitantes e de uma vez por todas. O mar que é o medo do mar. E lágrima. E sal. Atravessamos. O fogo e a coragem do fogo. E depois, nem medo ou coragem. Vida se refazendo morte se refazendo vida, própria vida própria morte nome próprio, impróprio, puro. Sorte? Aspereza e imprecisão, precisão, gatilho, vicissitudes. E sem mais, margem. água. Lume. Mistério último, fora do tempo das esperas. Travessia. Interpéries. Atravessamos. Enquanto incessantemente somos atravessados.

Enquanto aqui, já  incorrigivelmente atravessada  por Elena, que ainda não conheci mas pressinto. E por tantas outras, cujas travessias diariamente me perpassam.

E hoje, após certo período de ansiedade, finalmente fui tentar conhecer Elena… cheguei há pouco, e ainda não há palavras para descrever o que senti… a sensação de algo que se abriu permanece… um escuro, um grito no escuro, uma força, uma leveza… algo  entre  a sutileza e a dor. e a coragem, seja da beleza, seja da dor. Elena e seus emaranhados de fios que nos conectam, nos carregam, nos tornam densos, desnudos… Tão dificil nominar… ao mesmo tempo em que se faz tão necessário… dar voz ao silêncio aterrador em que somos lançados…  Elena é indecifrável. E me grita, me lança sozinha no escuro e fundo, e, silenciosa, me resgasta.

 

Tocada, profundamente,

e profundamente agradecida,

 

Danieli Aparecida dos Santos é psicóloga



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