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22 de outubro de 2013

O réquiem para Elena

A obra é pessoal. A experiência, todavia, não é intrasferível. O filme deve ser visto, e tal experiência vivida.

Quem é Elena?

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0 visualizações no YouTube! Wagner Moura, Fernando Alves Pinto, Letícia Sabatella, Rafael Cortez, Júlia Lemmertz, Alexandre Borges e Leticia Persiles se perguntam quem é ela. Você não ia querer conhecer Elena... ou ia?

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publicado em 25/4/2014
A epidemia de suicídio negligenciada

Por Emily Greenhouse – The New Yorker – 15 de março de 2014 

Traduzido por Robin Geld

Ilustração de Keith Negley

Numa manhã de janeiro seis anos atrás, Jonny Benjamin caminhou até ao meio da Ponte de Waterloo, em Londres, foi até à beirada, e preparou-se para pular. Benjamin, que então tinha vinte anos, acabara de receber o diagnóstico de transtorno esquizoafetivo; sua vida parecia fadada ao fracasso. No momento em que estava para pular, um estranho aproximou-se dele, e começou a conversar. O homem, mais ou menos da mesma idade, pediu a Benjamin que fosse tomar um café com ele. “Vai melhorar, meu amigo”, disse o estranho. “Você vai ficar melhor”.

Benjamin não pulou. No decorrer dos anos, esqueceu-se do nome do homem que o convencera a continuar vivendo. Em janeiro último, para ajudar na sensibilização e conscientização em assuntos de saúde mental, Benjamin– com o apoio de celebridades como Stephen Fry, Boy George e David Cameron– lançou uma campanha nas redes sociais para encontrar o homem que ele apelidou de Mike. “Não esperava encontrá-lo”, Benjamin disse ao Guardian. “Era como procurar uma agulha no palheiro. Não me lembrava de nada dele”.  Mas milhões de pessoas compartilharam a história online; o marcador “FindMike” estava entre os assuntos do momento do Twitter no Reino Unido, alcançando a África do Sul, Austrália e Canadá. A namorada do bom samaritano viu o pedido no Facebook e incentivou o namorado a ir a público. Ele foi, e os dois homens se encontraram mais uma vez- desta vez, com um abraço.

Mike é Meil Laybourn, nativo de Surrey de trinta e um anos que trabalha de personal trainer. Ele ainda atravessa a Ponte de Waterloo no seu traslado, um lembrete diário daquele dia, seis anos atrás, quando salvou a vida de um homem com o simples pedido de que conversasse. A ligação nem foi muito difícil: acontece que os dois homens cresceram dez minutos de distância um do outro. Mas foi  o sentimento de compaixão de Laybourn, comentou Benjamin, que no fundo deu certo: “Quando ele apareceu, rompeu a bolha do mundo em que eu estava. Senti fé, como se eu pudesse conversar com ele”.

Entre jovens nos EUA, o suicídio é a terceira mais comum causa de morte

Uma semana depois de Benjamin se reunir com Laybourn, Le Monde, principal jornal da França, publicou os resultados de um estudo médico de jovens franceses de quinze anos, que revelou que quase vinte e um por cento das meninas e nove por cento dos meninos relataram ter tentado o suicídio no último ano. É um número chocante, e espelha uma tendência global.  Nos Estados Unidos, as taxas de suicídio aumentaram, especialmente entre pessoas de meia idade: entre 1999 e 2010, o número de americanos entre as idades de trinta e cinco e sessenta e quatro anos que acabaram com as próprias vidas sofreu um aumento de quase trinta por cento. Entre jovens nos EUA, o suicídio é a terceira mais comum causa de morte; entre todos os norte americanos, o suicídio toma mais vidas do que acidentes de carro, que antes eram a principal causa de morte por ferimento.

Em maio do ano passado, citando o aumento “substancial” de suicídios entre os de meia idade, o Centers for Disease Control and Prevention (Centros de Controle e Prevenção de Doenças) descreveu o suicídio como uma “preocupação crescente da saúde publica”. Esta percepção vem se espalhando: no mesmo mês, Newsweek publicou uma matéria de capa chamada “A Epidemia do Suicídio”, apontando que através do mundo, a ferimentos autoinflingidos acabam com “mais vidas do que a guerra, o assassinato, e desastres naturais combinados”. Nos EUA, estes números-que muitos peritos creem ser mais baixos do que os reais, devido a casos não relatados-  não podem simplesmente ser atribuídos ao efeito de uma longa recessão, ou uma aumentada posse de armas; a depressão clínica também está crescendo. As taxas de suicídio diminuíram nos anos 90, mas desde 1999 mais norte americanos se matam a cada ano do que no ano anterior.

Alan Berman, diretor executivo da American Association of Suicidology (Associação Americana de Suicidologia) e presidente da International Association of Suicide Prevention (Associação Internacional de Prevenção ao Suicídio)) disse que no mundo desenvolvido noventa por cento dos que tentam o suicídio sofrem de transtornos psicológicos.  “Temos tratamentos eficazes para a maior parte destes”, Berman disse no ano passado. “Mas a tragédia é que as pessoas morrem devido a sentimentos temporários de impotência– coisas que podemos ajudar”. A implacável e persistente intensidade destes sentimentos foi e é sempre difícil de ser comunicada para os que nunca as vivenciaram: William Styron, em seu poderoso ensaio, “Visível escuridão”, lamentou a insuficiência do rótulo “depressão” para transmitir a realidade da “uivante tempestade no cérebro”. Styron, que se internou na unidade de doenças afetivas do hospital Yale-New Haven, viveu para escrever um relato de seu sofrimento, mas muitos outros não têm os meios ou a capacidade, de procurar ajuda. É o motivo que levou Jonny Benjamin a trabalhar com a organização britânica sem fins lucrativos Rethink Mental Illness (Repensar a Doença Mental), cuja missão é providenciar apoio aos que contemplam o suicídio– para ajudá-los da mesma forma que Neil Laybourn ajudou Benjamin a se afastar da beira de uma ponte.

Em 2003, Tad Friend escreveu em sua revista sobre “a grandeza fatal” da Ponte Golden Gate, em São Francisco,  identificada como o “principal local mundial do suicídio”. O status icônico do espaço, e a vista deslumbrante, parecem atrair puladores a esta travessia. “Várias pessoas atravessaram a Bay Bridge (Ponte da Baía) para pular da Golden Gate; não há registros de nenhuma pessoa que atravessou a Golden Gate para se atirar da menos bela ponte irmã”, Friend escreveu.

Um médico local da Califórnia chamado Jerome Motto disse a Friend que participou de vários esforços para construir uma barreira na ponte, depois de um de seus pacientes ter se suicidado deste ponto em 1963. Mas o pulo que mais o comoveu foi o que aconteceu na década seguinte. “Fui ao apartamento deste cara depois com o médico legista assistente”, lembra Motto. “O cara tinha seus trinta anos, morava sozinho, num apartamento bastante desguarnecido. Tinha escrito um recado que deixou na escrivaninha. Dizia, ‘Vou andar até a ponte. Se uma pessoa sorrir para mim no caminho, não vou pular'”.

Foi isto, claro, O que Neil Laybourn fez por Jonny Benjamin. Num texto escrito depois da reunião, Benjamin disse:

Eu queria que as pessoas soubessem que é okay ter pensamentos e sentimentos suicidas, e que de fato é uma experiência muito humana. Também esperava mostrar às pessoas que ao conversar sobre isto, e tendo uma outra pessoa para ouvir, é possível superar a escuridão que toma posse da pessoa quando se sente impotente. É algo que aprendi na minha troca com Neil na ponte seis anos atrás, e uma mensagem que venho tentando repassar a outros.

O suicídio é um fenômeno que evitamos, mistificamos e até– há de ser dito– romantizamos

Os sentimentos que levam as pessoas ao suicídio podem ser tratados– ou nas palavras de Jonny Benjamin, a bolha daquele mundo sombrio pode ser rompida. Mas, apesar dos números e das perdas, o suicídio é um fenômeno que evitamos, mistificamos e até– há de ser dito– romantizamos, como se a ciência não pudesse começar a encarar a sua causa. Invocamos a genialidade e tormento de mulheres como Virginia Woolf e Silvia Plath, nos suicídios das quais vemos forças místicas que falam do sofrimento de artistas. Diagnosticamos algo semelhante na morte recente de Philip Seymour Hoffman, de uma overdose de drogas, para poder dar sentido, celebrar, à sua arte.

Quando o escritor Primo Levi se matou, em 1987, muitos estudiosos da época se mostraram preocupados e confusos. Alfred Kazin achou difícil reconciliar “um impulso à escuridão e autodestruição num escritor tão feliz e cheio de novos projetos”.  Na revista The New Yorker, Elizabeth Macklin sugeriu que “a eficácia de todas as suas palavras foi de algum modo anulada pela sua morte– que a sua esperança, ou fé, não tinham mais utilidade para o resto de nós”. Mas William Styron, que ainda não havia escrito “Escuridão visível”, propôs uma visão diferente no Times:

Para quem já sofreu de profunda depressão — inclusive eu– esta falta de entendimento de como é que a doença gera um implacável impulso à autodestruição parece generalizada; o problema precisa em muito ser esclarecido. O suicídio continua sendo um ato trágico e terrível, mas a sua prevenção continuará impossibilitada, e o velho estigma contra o ato permanecerá, a não ser que comecemos a compreender que uma grande maioria dos que acabam com a própria vida– e dos que tentam o suicídio- não o fazem devido a alguma fraqueza, e raramente por impulso, mas porque estão nas garras de uma doença que causa dor quase inimaginável. É importante tentar apreender a natureza desta dor.

Diante da endurecida recusa a entender a morte de Levi, e a vontade de explicá-la como excepcional, Styron comentou que ” uma avassaladora maioria dos sobreviventes de campos de concentração escolheram viver, e o que é de maior importância para a vítima de depressão, não é a causa e sim o tratamento e a cura”.  A linguagem aqui é essencial: tratamento e cura, pois esta é uma doença que pode ser diagnosticada e gerenciada. Isto é amplamente compreendido hoje, mas ainda uma parte de nós continua deixando vivo o estigma, e a estranheza romantizada, recusando-se a ouvir o que disse Styron.

Styron escreveu, ” A salvação da depressão (talvez a única), é que a doença parece ser autolimitante: o Tempo é o grande curador”.

Artigo original http://www.newyorker.com/online/blogs/newsdesk/2014/03/the-neglected-suicide-epidemic.html