Olhos de ressaca – Imagens em movimento: vinte minutos de poesia pura

Por: Sylvio Rocha – coluna do Augusto Nunes (Veja) – 24/8/2013

Sombras que se tocam e caminham de mãos dadas. Close de dedos que acarinham. A pele. Imagens subjetivas. Delicadamente, a câmera sai detrás da cabeça de Vera, exibe seu perfil e mostra um beijo. E outro beijo. É o prenúncio da narrativa. Vamos entrar no universo desse casal e conhecer uma história de cumplicidade. O documentário é sobre o amor, sobre duas vidas que se entrelaçam e que não podem mais separar-se (ou nunca puderam). A diretora do filme, Petra Costa, filma seus avós, Vera e Gabriel Andrade, juntos há mais de seis décadas.

Apimentando a calorosa discussão da relação entre documentário e ficção, Olhos de Ressaca conta como foi a construção deste casamento que deu certo – uma raridade nos tempos modernos. O filme permite entrar numa intimidade onde conversas eram ditas em código pelo rádio para não soprar para o mundo seu real significado, um olhar expressa mais sentimentos do que uma novela inteira e a saudade de um abraço fala tão alto quanto a palavra que pede para sair e não tem força para deixar a boca. Com a maturidade também vem uma percepção maior da vida e das pessoas, e os momentos de cumplicidade com o parceiro são ainda mais especiais.

O filme é construído com a voz do casal lendo poesia e contando a sua história. Em nenhum momento vemos a entrevista. A relação entre o entrevistador e o entrevistado é camuflada. As imagens são montadas a partir de um garimpo no acervo da família, de cenas posadas e de figuras poéticas abstratas. O resultado é uma fusão do mundo real com o dos sonhos. A mistura nos leva, de maneira não explícita, ao caminho da memória. As imagens se juntam com a narração e o que vemos é o sentimento. Sentimento de uma neta que admira e respeita os avós e que escolhe dividir um olhar sobre um pedaço de suas vidas. Um filme pessoal e poderoso.

São vinte minutos de pura poesia. Um documentário plástico e autoral que caminha no melhor sentido do cinema de linguagem e de sensação. A direção de fotografia é assinada por Eryk Rocha e a montagem por sua irmã, Ava Gaitán Rocha, que seguramente influenciaram a obra. Na trilha sonora vale destacar a peça de Vitor Araujo, Valsa para Lua, que também será usada no primeiro longa da diretora, Elena.

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