Elena. Ou a magia de transformar a dor em beleza

por: Vera Leon – A Tribuna –  29/6/2013

“Você é minha memória inconsolável, feita de pedra e de sombra. E é dela que tudo nasce. E dança”.

Só quem carrega uma memória inconsolável sabe a extensão das palavras de Petra Costa, ao definir como a irmã Elena é a marca que não se apaga dentro dela. E só ao abrir a porta da dor para mirar nos olhos do desconsolo infinito, fazendo da sombra, luz, o sofredor tem a chance de se entregar à gestação de uma nova vida. No caso de Petra, cineasta brasileira de apenas 30 anos, nasce Elena, o filme que não se explica em uma palavra, porque como poucos ele se escancara em beleza e ternura, mas também se contorce na agonia dos infelizes.

Quando Petra nasceu, em Belo Horizonte, Elena era uma adolescente de 13 anos, mergulhada no mundo singular que se pode desvendar pela arte, ora dançando, ora interpretando, ora só imaginando. Não é difícil que Petra seja seduzida pelos personagens da irmã e que se sinta desamparada quando, aos 7 anos, a vê partir em busca das inquietas Elenas que vivem dentro dela. Nova Iorque é o seu destino, a possibilidade do palco para quem já nasceu atriz, e é nesta cidade nervosa que o filme começa, com Petra tentando fazer os caminhos da irmã, 20 anos depois de Elena ter cerrado para sempre as cortinas da sua inesgotável solidão.

Para tomar fôlego e empreender a jornada que transforma a dor nesta obra premiada (Melhor Direção, Direção de Arte, Montagem e Filme pelo júri popular, no Festival de Brasília, e Menção Especial no Internacional de Cinema de Guadalajara), a diretora Petra Costa rasgou o lacre de um baú que nunca foi parar no porão. A história de Elena Andrade, que ela mesma registrou em fitas caseiras de vídeo (cerca de 50 horas), recortes de jornal, cartas e em um diário cheio das suas conversas em ziguezague, ganhou a costura sensível de Petra, se vestiu com sua voz em off puxando o fio da narrativa, e virou esse longa quase sempre muito triste, íntimo, mas em nenhum momento amargo.

Classificado como documentário, o trabalho foge ao modelo clássico da história contada linearmente, apegado a datas e ao curso dos acontecimentos. Nada disso. Elena surpreende porque nos laça a cada cena, como se um cordão invisível nos puxasse para o momento seguinte, e o outro, e o outro… Por vezes, as imagens são difusas, fugidias, quase fantásticas, oníricas. Em outras, elas escapam da poesia e ficam dolorosamente concretas, palpáveis, irremediáveis. Como o rosto da mãe, a outra mulher dessa história de mulheres, que se enquadra sob a luz que atravessa as rugas, alguns fios brancos dos cabelos e encontra sua alma ainda perplexa parada naquela tarde em que Elena se matou.

Que pedaços sobram de uma mãe com essas lembranças? Com qual material se preenche a vala profunda que se abre na vida de quem fica? Elena não tem a pretensão de responder isso (e não há quem possa), e sim fechar a ferida e realizar o luto. A gestação de Elena pacifica Petra, que se constrói a partir desses cacos, reinventa aquelas mulheres e lhes diz que é possível dançar. Sim, é possível dançar.



Elena Andrade, personagem que dá nome ao filme, nasceu durante a ditadura militar no Brasil, filha de pais ativistas. Cresce na clandestinidade, tem uma ligação fortíssima com a irmã Petra, e experimenta a emoção do palco como atriz do Grupo Boi Voador. Uma das memórias resgatadas por Petra (e exibida no filme) é um recorte do Jornal A Tribuna, anunciando a apresentação do espetáculo em Santos

FICHA TÉCNICA  ELENA, BRASIL, 2012, DIREÇÃO DE PETRA COSTA. 82 MINUTOS. COM ELENA ANDRADE, LI AN E PETRA COSTA. EM CARTAZ NO MIRAMAR CINEMAS/MIRAMAR SHOPPING

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