Elena – dimensões inclassificáveis

por: Bentivoglio – blog Sexta Fileira – 30/7/2013

São os planos dentro d’água que acabam por arrebatar o espectador, o mesmo que tenta, sem sucesso, desfazer o nó que se apertou em sua garganta a partir da metade do documentário ELENA(Brasil, 2012, 80, min., dir.: Petra Costa), uma obra de arte capaz de povoar os últimos pensamentos antes de o espectador fechar os olhos e tentar compreender – novamente sem sucesso – a complexidade das emoções humanas.

Angústia, como explica minha amiga estudante de psicologia, é um dos sentimentos mais perigosos e traiçoeiros. Ela existe dentro de cada um, podendo ser acionada por desapontamentos da vida, em maior ou menor grau. O bom filme As Horas, que rendeu o Oscar de melhor atriz para Nicole Kidman em 2002, trata dessa questão exemplarmente, representando o afogamento quase literal que a angústia causa com a cena em que a personagem de Juliane Moore está em um quarto de hotel, prestes a se matar. É a fábula triste, o drama de quem não consegue se encaixar ao ambiente em que sobrevive.

Em ELENA – que deve ser considerado um relato estritamente pessoal -, é Petra quem tenta se encaixar e encaixar o que entende como verdade sobre as motivações, os sonhos, as desilusões e a eventual desistência que levaram sua irmã mais velha a cometer suicídio. Petra revive os passos de Elena no tempo, nos locais e nas escolhas, nos guiando com a esperança de encontrá-la, quase em conflito com a realidade física, que se torna cada vez mais presente. A revelação da morte pode ser encarada como surpresa, mas é uma simples constatação do que foi quase anunciado nas primeiras frases entoadas pela narradora e diretora do longa.

“Queriam que eu te esquecesse, Elena”, relata Petra, em um discurso firme que carrega e alavanca quase todas as sequências, uma linha vital que guia, junto com a trilha sonora simples, o enredo que desabrocha aos poucos. São as vozes – ouvidas e silenciadas – que tornam a alma do documentário sua principal qualidade.

O talento da diretora, que escolheu a dedo o tom das cores, cenas e sons, manifesta-se na homenagem que ela presta à memória de Elena, que, além de presente em dimensões inclassificáveis, aparece na tela hora em cenas de arquivo pessoal, principalmente da infância e das primeiras incursões na dramaturgia, hora como voz e ruído, registrado com seu próprio gravador, um espécie de diário que manteve como ouvinte mudo de toda a oscilação de sua breve existência em Nova Iorque, onde estudou e tentou seguir a carreira.

ELENA encerra-se com a noção de que, sem arte, é melhor não existir, é melhor morrer. Se soubesse que sua morte a transformaria em uma peça artística inigualável, teria tomado tão drástica decisão? As indagações são inerentes às reflexões que os 80 minutos nos obrigam a fazer. Mesmo com a carga emocional escancarada ao público e aflorada pela bela construção das cenas, não temos dúvidas, por fim, de que Petra não buscou em vão. Ela encontrou a irmã e colocou-a onde merecia, para que, dessa forma, Elena pudesse viver para sempre.

 

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