Como esquecer Elena?

Por Amanda M.Blog aquele em que… – 24/9/2013

Eu senti Elena. Além de assisti-lo, também o senti. O vi há alguns meses e desde então, ele vive dentro de mim, pulsante. Ora me afogando nas mesmas águas turvas de Elena, ora nadando nas águas límpidas de sua irmã Petra. Por vezes bailando, sorrindo e interpretando, outras tantas, angustiada, perturbada e fracassada. Elena inteira; Elena em fragmentos. Não se assiste a um filme desses e simplesmente recomenda-o ao amigo, não se diz : – Vai lá assiste que é bom. Porque Elena ( Brasil, 2012) deve ser sentido, precisa ser sentido; e só quem pode fazê-lo são os frágeis-fortes de alma. Só a contradição dos adjetivos pode fazer sentir Elena, porque cada parte sua deve ser inteiramente perscrutado, sem medo, com a coragem de coração e corpo. Porque depois de Elena, o corpo também se exaure em água, dança, dor, memórias próprias e dos outros e, principalmente, em poesia.

O filme resgata as memórias de uma família, de uma atriz, uma ardorosa amante da arte, a bela Elena; traz à cena o olhar doloroso de uma irmã marcada pela ausência daquela com dividira genes, pais, casa e perspectiva de futuro; uma mãe mutilada pela tragicidade da morte prematura e inexplicável de uma das filhas. Três mulheres atreladas ao destino definitivo e perturbador de uma delas.

O documentário de Petra Costa é quase um tratado poético sobre os laços afetivos e, no caso dela, também biológico. Em Elena, somos confrontados com o entendimento angustiado da profundidade da nossa ligação com aqueles que amamos; o quanto as decisões por quem temos tanto afeto, irão nos impactar de maneira irremediável. E o quanto nós, involuntariamente, influenciamos o destino das vidas que tomamos emprestadas ou definitivamente para nós, sem ao menos, nos darmos conta. O filme nos lembra a todo instante o quanto estamos fatal e irremediavelmente condenados aos laços. Não há como fugirmos deles. Não apaga-os, não afoga-os, não os enterramos nunca. Elena é um ensaio sobre família, laços e memória. Além, é claro, sobre o papel determinante da arte na vida de três incríveis mulheres.

Elena, a personagem título, tem a beleza da outra, com “H” da mitologia, uma beleza impactante, dessas para muito além do estético; diáfana com uma deusa. Sedutora, ela tem como seu amante mais permanente, a arte. Elena ama e se declara constantemente a esse seu amor. Entre as emoções contraditórias de uma relação amorosa ela vive e morre pelo seu amante. Passional ela ameaça: “A arte para mim é tudo, sem a arte eu prefiro morrer”. E Elena é o excesso; quando ela não suporta não é pela ausência, porque Elena sobra, Elena tem excessos demais na alma, Elena não morre, transborda e por isso o filme dói com beleza.

Depois de Elena é preciso que se sobreviva. Mas sobreviver como? Sem Elena? Como esquecer Elena? Depois de Elena, pelo menos duas almas destroçadas, a de uma menina e a de uma mulher. Mãe e irmã da deusa desaparecida precisam curar suas dores e o próprio medo da desistência. Cada qual atrelada, agora mais estreitamente, uma a outra. A terceira partiu. Das três, restam duas. E decisão melhor é não lutar para esquecer, mas lembrar e de tanto lembrar, resgatar; para só assim, despedirem-se.

Elena é a personagem e também o filme; duas Elenas separadas pelos destinos diferentes que a arte marcará as duas trajetórias; para a personagem, sua morte; para o filme, sua salvação. Eu não assistiria a Elena eu o sentiria. Elena foi-se e deixou para trás dor e poesia. Elena não é para os fracos. Elena é para os sensíveis, para os que se deixam levar pelas águas curadoras da poesia.

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