Uma família da pesada

Gabriel Cadete, no blog Tradicionalmente – 23/5/2013

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No começo dessa semana resolvi ver “Elena”, um documentário que está sendo super falado e premiado por aí. Eu não fazia ideia alguma do que se tratava o longa e fui surpreendido – não exatamente no bom sentido dessa palavra.

A menina do título, depois de muita experimentação com câmeras e dança, viaja para Nova York com o mesmo sonho da mãe: ser atriz de cinema. Para trás deixa o Brasil, a mãe e Petra, sua irmã de 7 anos. As coisas não vão como o planejado e ela deixa a cidade norte-americana apenas para descobrir, aqui, que foi aceita em um curso por lá. Então, volta ao país, agora com a família.

As coisas não vão bem: Petra não se acostuma com sua american life e, repito, aos 7 anos, costuma cortar seus pulsos com faca na volta da escolinha – e coloca band-ais em partes do corpo que estão perfeitas para chamar atenção. Em paralelo, Elena se sente triste e sozinha no mundo das artes e com as diferenças culturais – e por isso decide se matar (dedução minha, não ficam claros no documentário os motivos).

Até aqui já basta: é uma história digna de tirar lágrimas da plateia. Mas me surpreendeu que muita gente parou a análise por aí.

Quem dirige o longa, adivinhem só, é a própria Petra. Duas décadas mais tarde, foi ela quem se tornou atriz e embarcou para Nova York em busca de Elena – seguindo fitas de vídeo e áudio, recortes de jornais, trechos de diários e cartas da irmã.

Curioso ver ao longo do passar da história como elas se confundem. Já ouvi casos de gente que, depois de perder um irmão, herdou a personalidade do parente que se foi. Além disso, as duas partilhavam uma atração pela dor e a própria Petra lê um documento em que é avaliada como uma criança depressiva.

Mas o mais bizarro, para mim, veio no fim do doc: a mãe explica seu sofrimento de perder a filha contando que tinha vontade de se jogar de um precipício, de carro, com a outra filha no banco do passageiro. Além disso, lembra de um desenho feito por Elena dizendo que ele era “muito parecido com um que eu fiz aos 16 anos, quando também estava pensando em me matar”.

Fiquei pensando nessa hora se tendência a suicídio pode ser algo genético, se é alguma coisa que pode ser passada pela criação ou se cada pessoa toma sua decisão baseada em algo 100% diferente dos outros. Temos, no fim, três atrizes frustradas com desejos de colocar fim à própria vida. Isso não pode ser coincidência.

Para boa parte dos especialistas, a genética tem um efeito sobre o risco de suicídio sim. Mas tem mais a ver com a hereditariedade da condição e/ou doença mental que o causou. De qualquer forma, o filme trouxe essa reflexão para mim, além de ter trazido memórias ruins de momentos complicados e pesados que lidei na minha adolescência. Vai sofrer muito com este filme quem conheceu alguém que se matou, que tentou ou quem já quis finalizar a própria vida.

A cena final de Petra com a mãe flutuando na água é bizarra sob este ponto de vista: são as duas finalmente em paz com a perda de um ente querido, mas parece ser, ao mesmo tempo, a paz de terem conseguido, finalmente, estrelar um filme. É quase cruel.

“Elena” entrou com louvor na minha longa lista de filmes que eu gostei, mas que não recomendo para absolutamente ninguém.

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