Um fim de semana com Elena

por: Ana Clara Matta – Ovo de Fantasma – 27/05/2013

É fácil criar certas barreiras em relação a um filme com uma exposição midiática muito ampla (mesmo que esta exposição esteja confinada nas fronteiras da internet), crendo que através de trailers e virais você já “compreendeu” a obra e que ver aquilo é supérfluo. Através da campanha de marketing de Elena, é possível perceber a veia poética, etérea, e extremamente pessoal do filme de Petra Costa. Na verdade, é possível tirar várias conclusões próximas da realidade do filme – mas é impossível prever os dois fatores mais essenciais do filme através de sua campanha: a mente da personagem-título, e a sua resposta, emocional, ao filme.

Após um tempo lutando com expectativas divididas em relação ao documentário, e caindo na armadilha desse julgamento prévio do filme-pelo-trailer, fui neste sábado a uma sessão de Elena. Foi assim que começou o meu fim de semana imersa nas águas do subconsciente retratadas de maneira óbvia, estampada na tela, por Petra Costa.

Elena é um filme que é poético na medida certa, pois acompanha a poesia de Elena, personagem. Entre pequenas falhas, que vêm na forma de estética lo-fi um pouco insistente e um corte final que poderia ser antecipado para a cena da flutuação, o filme é mais que um estudo de personagem – é o estudo de uma busca, tema tão caro para o novo cinema brasileiro, presente em filmes recentes como Os Dias Com EleDiário de Uma Busca e Ventos de Valls. Se em Os Dias com Ele, destaque da produção nacional no primeiro semestre de 2013, há uma tentativa desesperada de travar um diálogo com um ser vivo e material, Elena faz o mesmo com alguém morto, um fantasma do passado. Dessa maneira, se o filme de Maria Clara Escobar é áspero, cortante, o de Petra Costa é etéreo, melancólico. Cada impossibilidade merece sua linguagem.

A película se constrói em três eixos de busca, através dos quais Petra tenta travar uma comunicação fílmica com Elena. O primeiro eixo é o das imagens de arquivo, que mostram na tela o poder do acervo de uma família com apreço pelo registro audiovisual, algo que deve ganhar destaque com a popularização dos dispositivos de gravação. O segundo eixo é o da entrevista, que foi descartado quase que inteiramente por Petra no corte final. E o terceiro é a busca tornada geográfica, o “seguir as pegadas”, o “reviver trajetos”. Um caminho que é percorrido por Petra, que era uma garota de 7 anos no período da tragédia, e por sua mãe, cujo olhar é a lembrança mais aguda deixada pelo filme.

Segui com Elena pelo fim de semana, comparecendo no domingo a um debate hospedado pelo Oi Futuro envolvendo Petra, a realizadora, Pablo Lobato, do coletivo Teia, e Roberta Veiga, pesquisadora da UFMG. O público presente cobria o filme de elogios, perguntas sobre a estratégia de marketing potente e sobre a distribuição do filme. Petra explicou a origem do filme, que veio em um exercício proposto pela Companhia de Teatro da qual participa, no qual misturou o seu diário pessoal e o diário de sua irmã. A diretora também revelou a sequência de sonhos envolvendo Elena que pontuaram seu subconsciente durante a produção do filme.

Perguntei sobre os eixos de busca, sobre a experiência Nova Iorquina de revivência e sobre as impressões de mãe e filha sobre tal experiência – e ganhei o presente da resposta da mãe de Petra, seguida de comentários da profª. Veiga e de Lobato. A mãe disse que reviver aquilo fisicamente não foi especialmente mais difícil, pois ela revive aquelas cenas diariamente. Disse também que este filme assistido por nós é o filme que ela transmitia à Petra todos os dias. E fecha sua resposta com um depoimento, declarando que não consegue ver a segunda metade da obra e que esperando o fim da sessão de estreia no Festival de Brasília, recebeu vários abraços e aprendeu o significado da palavra “redenção”. As lágrimas que lotaram o cinema no dia anterior (os ruídos da plateia fungando eram mais altos que o som do filme) surgiram tímidas no canto do olho.

Elena não é um filme perfeito, longe disso. Mas traça como poucos (com um viés de Bergman ali escondido) os paralelos entre três mulheres, sua semelhança indiscutível mostrada em um constante jogo de espelho e projeção, e o medo de uma “herança inevitável” que ameaça como uma sombra nos cantos. Como um fantasma.

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