Sylvia, ELENA e a arte à beira do precipício

Bárbara Lopes – Blogueiras Feministas – 30/4/2013

 

E eu uma mulher sempre sorrindo.

Tenho apenas trinta anos.
E como o gato, nove vidas para morrer.
(trecho do poema “Lady Lazarus”, de Sylvia Plath)

Existe uma ideia de que a substância da arte pode ser uma força tão intensa que aqueles que a tocam não podem sair ilesos. As histórias de Sylvia Plath e Elena Andrade servem de testemunho a isso. Ambas mulheres artistas, fascinantes e depressivas, ambas suicidas. A história da escritora americana Sylvia Plath, que se matou em 1963, com 30 anos já foi recontada uma infinidade de vezes. São as histórias da história de Sylvia que compõem o livro A mulher calada, de Janet Malcolm. O filme Elena, por sua vez, é o resultado do mergulho de sua irmã, Petra Costa, na vida da atriz, que morreu em 1990, aos 20 anos.

Sylvia Plath é considerada um ícone feminista, especialmente por causa de seus últimos poemas, que estão no livro Ariel. Lá ela surge com uma voz crua e cruel, que recusa o papel de boa moça. Porém, sua vida também alimentou esse retrato. Nascida nos Estados Unidos, mudou para a Inglaterra em 1955 e lá se casou com o poeta Ted Hughes. O casamento durou seis anos e o casal se separou em 1962, quando Sylvia descobriu que o marido estava vivendo um romance com outra mulher. No ano seguinte, ela deixou leite e biscoitos no quarto dos filhos, fechou a porta da cozinha e abriu o gás.

A cada versão, os papéis de herói e vilão se invertem. Alguns relatos a colocam como a vítima de um homem mulherengo e de um casamento infeliz. Em outros, ela é que fazia da vida de Hughes um inferno, com seu humor inconstante e seu egoísmo. A mulher calada transita entre essas narrativas, biografa os biógrafos e mostra as dores e prazeres que surgiam a cada detalhe revelado sobre a vida íntima do casal.

O filme de Petra Costa segue um caminho ao mesmo tempo similar e oposto. Elena mudou para os Estados Unidos para tentar ser atriz de cinema. Lá, porém, a melancolia a foi consumindo. A diretora se debruçou sobre as cartas, diários e registros da irmã, refez seus passos e ouviu os que conviveram com ela. Porém a intenção não era produzir uma biografia factual sobre a irmã, e sim refletir sobre si mesma e o quanto de Elena existe nela. O resultado não é uma narração, mas a reunião de fragmentos poéticos e íntimos.

Existe uma tentação muito grande, diante de histórias trágicas, de procurar enquadrá-las na grande tragédia social e encontrar os culpados nas estruturas da sociedade. Não faltam elementos para isso. Essas duas mulheres, mesmo que em épocas diferentes, se viram diantedos limites para a vivência de mulheres como artistas, os padrões de comportamento e aparência esperados. Uma das biógrafas de Sylvia Plath, Anne Stevenson, falando de si mesma conta do esforço para não ser derrubada do lugar de escritora:

A primeira dessas forças, diz ela, foi a pressão do “que costumava ser chamado ‘feminilidade’ – o sexo, o casamento, os filhos e a posição socialmente aceitável de esposa”.

Ao mesmo tempo, as duas histórias nos desafiam como dramas que não são derivados de qualquer carência material, nem de dificuldades concretas. Parece um exagero e uma injustiça culpar Ted Hughes pela morte de Sylvia Plath, e se ao mesmo tempo, parece absurdo culpar a própria escritora. No caso de Elena, é marcante no filme a dedicação de sua mãe, que desistiu da luta armada contra a ditadura por causa da gravidez e que saiu do país para acompanhar o sonho da filha, que percebeu sua depressão e que fez tudo para salvá-la. Se não podemos culpar pessoas específicas, devemos culpar a sociedade? A conta não fecha.

Por fim, resta a arte – a visão romântica e mitificada do artista na corda bamba, do artista se aproximando do fogo, do artista à beira do precipício. Que pode ser reconfortante em alguns aspectos, porque seria uma troca, um acordo fáustico: a infelicidade pela chance de tocar o absoluto. Mas é uma arapuca. Como diz Anne Stevenson:

Minha discussão com Sylvia é essencialmente moral e filosófica: para mim, não há obra de arte ou “grande poema” que valha tanto sofrimento humano. Afinal, já há sofrimento bastante no mundo sem que procuremos aumentá-lo em benefício de um psicodrama interior (…) Mas a crença numa “Arte” desse tipo, no chamado “risco” da Arte e no dilema existencial do artista (ou a genialidade ou a morte) é, para mim, semelhante ao fanatismo religioso dos fundamentalistas.

Vale conhecer essas mulheres – não só Elena e Sylvia, mas as que contam as histórias também. Não porque possam nos explicar sobre o mundo em que vivemos, mas porque seus universos particulares são valiosos em si mesmos. Porque neles há vísceras e beleza.

• A mulher calada: Sylvia Plath, Ted Hughes e os limites da biografia. Janet Malcolm; tradução de Sergio Flaksman. Editora Companhia das Letras.
• Elena (82 minutos). Direção: Petra Costa; produção: Busca Vida Filmes. Estreia nacional em 10/05.

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