Prova de amor à sétima arte

Por Arthur Gadelha, no blog Duas Faces do Cinema – 26/8/2013Em meio a um cenário cinematográfico tão exaustivo e escasso em novidades, aqui acolá, surgem filmes surpreendentes que, com ideias simples ou complexas, nos carregam para um patamar inesperado, daqueles nunca antes vistos, de, literalmente, faltar o ar. Elena é, adianto sem rodeios, uma verdadeira obra-prima brasileira. É inacreditável que a diretora/personagem/roteirista Petra Costa tenha conseguido realizar uma obra irretocável, tão cheia de personalidade, tão aspirante, tão sugadora, mística, poética… É um filme que, de tão emocionante e grandioso, faltam palavras para a perfeita expressão do que é sentido dentro do longa.

Elena é a irmã mais velha da diretora Petra Costa. Desde os quatro anos decidida a virar artista de cinema, quando maior, viajou para Nova York tentar a vida com o que tanto havia sonhado a vida inteira. Em meio a uma vida já melancólica (talvez um sentimento hereditário), e a frustrações profissionais, Elena entra num profundo desespero e se suicida. O longa produzido por Petra é sobre isso: a morte de Elena. Petra passa toda a projeção tentando aceitar que Elena faleceu e que foi pela arte; ainda mais ambiciosa, Petra tenta justificar ou simplesmente tentar entender o que a própria arte causava na alma de Elena, por que era tão importante. E isto é o ponto principal do longa-metragem: Por que Elena?

O nome de Petra Costa ainda é meio desconhecido no cinema – ainda acentuado pelo baixíssimo incentivo do país ao seu próprio cinema. Mas é inacreditável que o nosso país fique tão calado com uma artista como Petra perambulando por nossos cinemas, quando já deveria ser uma estrela conhecida mundialmente – e não duvido um dia ser por essa produção. O que faz o filme ganhar vida é o sentimento de proximidade e familiaridade que há em torno de toda sua mística. O que acontece é que Elena é um documentário produzido por quem participou de sua própria construção – que durou anos… O mais inacreditável de tudo é saber que esse longa jamais aconteceria se não fosse iniciativa (não intencional) da própria Elena que, quando decidiu ser artista de cinema, também decidiu filmar seus pensamentos em fitas VHS.

Elena é uma construção partindo de inúmeros vídeos e áudios produzidos por Elena, na sua tentativa de experimentar a arte para perceber que sem ela não há vida. E esse acaba sendo o dilema mais profundo que nos é transmitido ao fim da seção; por mais que os críticos e amantes do cinema já sejam desesperados por essa arte, Elena, com todo seu amor inconsolável, nos faz parecer meros aprendizes de “amor à arte”. Petra, com sua viagem por seus pensamentos (que se misturam com os de Elena), acaba dando vida á uma prova de amor à sétima arte, e também uma prova de amor à sua irmã.

Todas as escolhas aqui realizadas soam extraordinárias e memoráveis. Uma que me chamou bastante atenção foi a necessidade que Petra teve de narrar seu enredo em verbos no presente quando se trata do passado. “Ela me treina pra ser artista…” Com isso, Petra trás Elena ao presente e nos transmite seus sentimentos… É uma escolha tão simples e tão pequena, mas que faz toda a diferença. O mesmo acontece inversamente, quando Petra conversa sobre o presente, ela utiliza o passado. “Elena, sonhei com você essa noite…”.

O desejo de Elena em ser atriz não surgiu do inesperado; sua mãe já vivia essa carreira e passou para ela, assim como o amor de Elena à arte passou para Petra. Em uma cena do filme, Petra evidencia que Elena chegou para ela e disse para que atuasse melhor diante dos pais em uma briga, e dessa maneira, percebemos que a arte era tão presente em suas vidas que elas passavam suas vidas atuando em vida real. Tendo isso em vista, no presente, vemos Petra e sua mãe no longa interpretando suas próprias personagens, seus próprios sentimentos em vida real… Petra Costa, com sua linda obra-prima, constrói um amontoado de fragmentos de Elena e mistura realidade com ficção que, no fim, passa ser a mesma coisa para essas mulheres que viviam dessa melancólica arte. É lógico imaginar, depois da sessão, por que Elena evidencia a frase “A arte pra mim é tudo; sem arte prefiro morrer…”. É como Ednardo, famoso compositor cearense, que entoa em um de seus sucessos que “Cantar é como não morrer…”Faz todo o sentido ver os artistas que vivem da arte afirmar com tanta certeza que a vida é total dependente dela, da arte. Sem ela, é como perder o ar, é como perder a vida.

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