O Prazer dos Olhos

por: Luis – Cineteco – 17/5/2013
“Quando você sentir saudade, encoste a concha no seu ouvido e assim a gente pode se falar”, disse Elena à irmã Petra ao entregar-lhe uma concha de presente, prestes a viajar rumo aos Estados Unidos para tentar se tornar a atriz que tanto almejava. Não é por acaso que ouvimos barulho de água ainda com a tela escura, para em seguida o mesmo elemento tomar forma no primeiro plano do filme.

Autora do premiado curta Olhos de Ressaca, Petra Costa Costa se arrisca em um profundo projeto pessoal e, ao mesmo tempo, universal. A ideia surgiu (quando ainda adolescente) após encontrar o diário da irmã, mas só veio a ser desenvolvida agora. O documentário aborda a vida de Elena e o relacionamento entre ela e a mãe, até mesmo o pai e, principalmente, Petra. Esta tenta seguir os últimos passos da irmã voltando à Nova Iorque. Mas o foco da obra se debruça nas diversas turbulências vividas pelo trio feminino e suas dimensões e consequências, no sentimental, no tátil.

Aos dezessete anos, Elena acaba por se suicidar após passar por momentos de depressão, desilusão e diversas tentativas frustradas de conseguir emprego e seguir no ramo artístico. Se sentindo vazia, se esvai da vida da irmã aos sete anos, que junto com a mãe passam a lidar com a dor e viver com memórias irrigadas de beleza e sofrimento.

A estética do filme é impressionante. Há um apelo extremamente sensorial, que nos comove e atrai para a narrativa do filme, que se dá em off pela voz da diretora e, às vezes, se confunde com a própria Elena. Fato que se justifica já que a união e separação, em conjunto, nos dão a figura de superação e fragilidade da mulher. A fala de Petra é acompanhada por imagens e vídeos, nos fazendo imergir na história. Quando se fala em choro, pingos de água escorrem na janela. Já em um momento de tristeza descrito por Elena, onde a mesma se via como um fantasma dentro de um trem, a irmã se deixa refletir em planos rápidos e internos de um vagão. Portanto, a forma de passar toda a carga dramática para o espectador é realizada de maneira ímpar e sutil como carta-documentário, anexada de lembranças reais e imaginárias.
É outro acerto da realizadora destoar-se do ambiente, retirando o foco de seu redor (pequena profundidade de campo) ao andar pelas ruas. Perdida, tentando se encontrar e angustiada. O evento causa aos espectadores uma claustrofobia, que é desfeita no final, onde o longa volta ao tema da água, fazendo referência à Ofélia, de Shakespeare, numa cena belíssima que funciona quase como um ritual.
Petra se permite materializar como personagem e atriz, sendo corajosa em tratar de um assunto desgastante e doloroso (se submeteu a alguns anos de terapia e tratamento em conjunto com a mãe) com beleza, sensibilidade e eficiência. Nas danças da vida, todos passarão ou já passaram por perdas significantes e devemos lidar com elas, mesmo que diferentemente.
Ao som da bela música Turn to Water, interpretada por Maggie Clifford, começaria a ser anunciado um fim de um relato emocionante. Mas ergue-se a afirmação da sintonia da diretora com a “inconsolável perda”, ao permitir a si mesma e a todos respirarem, diluindo-se, convivendo com a mesma. Não existe mais concha, apenas o som, a água, um só.

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