O close-up da mãe em “Elena”

por: Ludmila Naves – Revista Vórtice de Psicanálise – 12/6/2013

Tive a oportunidade de assistir uma aula magna de Michael Renov – Professor Doutor de Estudos Críticos de Cinema na Universidade da Califórnia – recentemente, no Departamento de Cinema, Rádio e TV da USP. A aula tinha como tema a pesquisa que Renov desenvolve em seu departamento: O Poder do Close-up no Documentário.

Segundo Renov: “O contato visual entre sujeito e cineasta é estendido à audiência”. Portanto, quando o sujeito (entrevistado) olha para a câmera num primeiro plano (close-up), o expectador experimenta a sensação de que o personagem está olhando diretamente para ele.

Ainda sobre o poder do close-up, Renov continua: “O close-up é a melhor escolha de composição para fortalecer os laços de engajamento e compaixão que podem emergir de um testemunho audiovisual”.

A partir desse ponto de vista, proponho analisar algumas escolhas no documentário brasileiro de 2013, Elena, dirigido por Petra Costa.

O documentário acompanha a busca de Petra (diretora do filme) pela irmã – Elena – que aos vinte anos mudou-se para Nova Iorque atrás do sonho de ser atriz de cinema. Lá, Elena é frustrada pelas contínuas negativas recebidas em testes e em seguida, vivencia uma forte depressão que culminará em seu suicídio.

Petra tinha apenas sete anos quando Elena morreu, e desde então, ouvira da família que poderia escolher qualquer profissão e qualquer lugar para viver, exceto ser atriz em Nova Iorque. Dez anos mais tarde, Petra opta por artes cênicas e se matricula na Universidade de Columbia em Nova Iorque. Segundo a fala da própria Petra no filme, realizando o documentário, ela pretendia compreender melhor a figura da irmã e enfim, seguir adiante, superando seu medo e o da família de que a mesma tragédia lhe ocorresse.

O documentário é acompanhado quase integralmente por uma narração em off de Petra, mas curiosamente, até o terço final do filme, ela não mostra seu próprio rosto. Embora se detenha apenas às imagens de Elena, Petra reitera que vivem lhe apontando a semelhança com a irmã. Tal dado, o espectador só poderá conferir nos minutos finais do filme.

Na metade do filme, Petra, que antes apenas mostrara sua mãe em fotos, pela primeira vez, mostra-a em imagem e som. Nessa sequência, Petra (atrás da câmera) e a mãe, revisitam a casa em Nova Iorque onde moravam, quando Elena se suicidou.

A câmera acompanha o trajeto sem desgrudar-se do rosto da mãe, que segue narrando como encontrou a filha morta. Mas, uma vez que a mãe cessa o movimento, a câmera também pára; e enquadrando o rosto da mesma em close-up, fica então registrada a falta de contato visual entre mãe-câmera. Isto é, a personagem da mãe não consegue fixar o olhar na lente. E, contrariando alguns pontos de Renov, o efeito gerado não é de enfraquecimento, mas sim de uma compaixão intensa e pungente.

Para Renov, o close-up com contato visual entre personagem e câmera é visto como endereçamento direto a audiência. No entanto, é justamente no impacto gerado pela falta desse contato que o documentário Elena melhor se constrói.

No olhar “perdido” da mãe, incapaz de se configurar numa direção, sente-se a dor ininterrupta dessa mulher. Uma mulher que talvez até hoje, vinte e três anos após a morte da filha, ainda não tenha reencontrado um caminho para direcionar o olhar.

Só no terço final do filme, a mãe de Petra finalmente olha diretamente para a câmera. E, por alguns segundos, como espectadora, o close-up não me fez acreditar que ela me olhava. Tive a impressão de que ela olhava a outra filha – a viva – que estava atrás das câmeras: Petra.

E a partir daí, transcendemos a leitura que a própria Petra faz de seu filme. Não se trata apenas de um filme de Petra para a irmã; mas sim, uma obra para a mãe. Um filme para capturar a atenção materna. Um filme para cobrar e agradecer essa mãe. Quando a mesma finalmente olha para a câmera, o objetivo da diretora (e filha) é alcançado. Enfim, a mãe direcionou seu olhar à filha viva.

“Mãe, olha para mim. Seus olhos não refletem mais nada desde que Elena se foi. Mas eu não morri. Estou viva e preciso do seu amor. Do seu olhar. Obrigada por permanecer viva. Ainda que por mim.”

Essa declaração poderia ser facilmente feita por Petra a sua mãe. Arrisco dizer que poderia também sintetizar o porquê do filme.

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