Memória inconsolável

por: Marcio Corino – Tribuna de Minas – 28/11/2012

Como lidar com um passado trágico, com a dor da perda e da separação? Foi essa dificuldade que moveu a diretora Petra Costa na realização do longa-metragem “Elena”, que será exibido hoje, no Espaço Alameda de Cinema, às 21h, dentro do festival de cinema Primeiro Plano. O filme recebeu elogios de importantes cineastas contemporâneos, como Fernando Meirelles e João Moreira Salles. Petra Costa é diretora e atriz, formou-se em antropologia e teatro no Barnard College, Columbia University, em Nova York e fez seu mestrado na London School of Economics, em Londres. Dirigiu o premiado curta “Olhos de ressaca”, melhor curta-metragem no Festival do Rio, no Festival Internacional de Documentário de Londres (LIDF), no Festival Internacional Cine Las Americas e prêmio especial do júri no Festival de Gramado.

“Elena” é resultado da persistência das lembranças da diretora, que, aos 7 anos, teve de lidar com a perda da irmã, que dá nome ao filme. O documentário de fundo psicológico, primeiro longa de Petra Costa, narra a jornada percorrida pela diretora para resgatar e tentar explicar as frustrações e angústias que arrastaram a vida de Elena a um desfecho trágico. São 80 minutos em que memórias doces e amargas se misturam e reconstroem a história da irmã que se suicidou em Nova York. As lembranças de família também resgatam um passado não muito distante da história política do país, os anos da ditadura militar. “É um filme sobre três gerações. A da minha mãe, nascida nos anos 50, da minha irmã, que cresceu na década de 70, quando meus pais eram perseguidos pelo regime militar, e os anos 80, um período em que os pais criavam seus filhos em meio ao clima da redemocratização do país”, conta a diretora.

Petra afirma que Elena é sua memória inconsolável e que até pensou em dar este título ao filme. “No filme ‘Hiroshima mon amour’, dirigido por Alain Resnais e escrito por Marguerite Duras, a personagem fala do seu desejo de ter uma memória inconsolável, uma memória tão sem consolo que resiste ao tempo, ao esquecimento. É um exercício interessante pensar qual é a nossa memória inconsolável. Algo que geralmente se evita, se nega, se procura esquecer. Mas essas memórias nos formam, são parte integral de quem somos.

O roteiro emprega uma estrutura narrativa na qual Petra se insere na trama e conversa com Elena, como se fosse a irmã quem estivesse atrás do resgate de suas memórias. “Apesar de ser tudo muito pessoal, o roteiro é construído quase como uma história de ficção. Aliás, muitas ficções são construídas com passagens muito íntimas de seus roteiristas e diretores. No meu filme, reconstruo possíveis memórias da Elena.”

O processo de filmagem e pesquisa de imagens de arquivo durou cerca de três anos, e foi a partir dessa procura que Petra pôde resgatar imagens da família que estavam esquecidas. “São cerca de 50, 60 horas de imagens de arquivo. As fitas estavam mofando, quase esquecidas. Quando decidi filmar essa história, comecei a gravar aos poucos. Filmei algumas entrevistas no Brasil, depois aproveitei um compromisso em Nova York para fazer algumas imagens lá. Isso foi em 2009. Naquele mesmo ano, Elena completaria 40 anos de nascimento. Reuni algum material de arquivo e fiz um vídeo curto, uma espécie de registro para marcar a data. Foi uma oportunidade de ver que havia um grande potencial naquelas imagens antigas”, explica Petra.

Todo o processo, desde a pesquisa até a primeira exibição do filme, foi acompanhado por Li An, mãe de Elena e Petra. “Em 23 de setembro deste ano, no Festival de Cinema de Brasília, quando o filme foi exibido pela primeira vez, senti um alívio muito grande. É preciso ter sofrido muito para se sentir tão bem. Eu digo que, assistir ao filme, é como dançar, chorar e rezar”, afirma Li An.

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