Experimentalismo e narrativa fácil

Por Susy Freitas, em d24am – 14/8/2013

A diretora Petra Costa chamou a atenção da crítica com seu primeiro documentário em longa-metragem, ELENA (2012). Não bastasse isso, o filme consegue manter um equilíbrio em sua narrativa e fluência, o que poderia ser perdido facilmente graças a sua natureza altamente subjetiva da obra.

A Elena do título é a irmã da diretora Petra Costa, 13 anos mais velha, ela se mudou para Nova York nos anos 1990 para ser atriz de cinema. Misturando imagens de arquivo da família em foto e vídeo, depoimentos atuais e imagens experimentais, a narrativa segue linearmente. Apresentam-se então informações sobre o relacionamento das irmãs, o início da carreira de Elena no teatro e sua transformação após mudar para os Estados Unidos e não ter forças para continuar persistindo em seu sonho, o que a leva ao suicídio.

O terreno do documentário de Petra é esse: a perda de Elena e o que sobra depois de sua partida. Durante grande parte do filme, frisa-se a intensidade da paixão de Elena pelas artes, e a maneira como as filmagens da sua infância são ordenadas na montagem deixam escapar que a sensibilidade da jovem para ser criativa também trazia um lado melancólico, que buscava a perfeição e que não sabia lidar com as frustrações.

Nesse sentido, o acesso às fitas e filmagens-diário de Elena em Nova York garantem certa proximidade e afeição do público por ela enquanto personagem principal. As imagens parecem ser a única chance do espectador adentrar um pouco em seu mundo, ainda que não de todo. Com essas imagens fragmentadas e amadoras, Petra Costa traz a impressão do “real” ao documentário, ao passo que faz questão de frisar essa fragmentação e dar à visualidade do filme um ar de sonho e lembrança.  A diretora alia a isso outras imagens experimentais, especialmente no momento em que se mostra abertamente como personagem, a ponto de se perguntar “qual o meu papel nesse filme?”.

Com ELENA, Petra prova que a decisão de fazer um documentário pessoal não é tão fácil quanto parece do ponto de vista operacional (ter os personagens ao seu dispor, saber como colher seus depoimentos etc). A diretora se mostra inventiva ao tentar sair do óbvio, como quando joga com a crueza dos depoimentos de sua mãe, visivelmente endurecida desde a morte de Elena, e de sua própria fala, ao contar sobre a decisão de estudar teatro como a irmã e o medo de se tornar como ela, uma vez que as semelhanças entre as duas só se acentuaram com o passar do tempo.

Embora alguns momentos pareçam calculados demais, Petra Costa consegue não descambar para o sentimentalismo explícito. Sim, há a repetição da (óbvia) música “Dedicated to the one I love” no começo e final do filme e a diretora filma a si mesma em muitos momentos, sendo a representação da morte de Ofélia um tanto forçada , embora de grande beleza.

O maior trunfo do documentário é conseguir se ordenar de maneira a expor sensações tão diversas dentro de um mesmo acontecimento. O filme trava aproximações e distanciamentos das dores da Elena que partiu e da família que restou, uma metáfora inserida ao se frisar a semelhança entre as mulheres que dominam o documentário. Nesse sentido, até a ausência do pai é emblemática. “É muita dor”, justifica-se em dado momento, sem mais explicações.

Certo egocentrismo é inevitável nesse tipo particular de obra, mas resulta num bom produto. Com pulso ao dominar o sentimentalismo e entrega por ir fundo sem se perder na própria história, Petra Costa promete apresentar mais obras interessantes para o futuro de sua carreira, se conseguir lapidar melhor as arestas do que nos apresenta em ELENA.

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