Estudos de antropologia dão diferencial a documentários, diz diretora

Por Ricardo Daehn no caderno Diversão e Arte do Correio Braziliense – 23/9/2012.

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“Não acredito numa verdade objetiva que norteie documentários. Gosto de pensar nessas obras como ficcionais. Nessa perspectiva é que estão as liberdades narrativas e de expressão. Assim, cai um pouco menos de onipotência do que você vai transmitir, em relação à verdade. Na antropologia, lidamos com dados e retratos subjetivos e, por isso, cai a intenção da realidade objetiva “, enfatiza a diretora mineira Petra Costa, ao falar do longa que dirigiu, Elena, um dos seis documentários em mostra competitiva no festival a ser encerrado, com premiações, amanhã. Estudos de antropologia dão um diferencial na ótica de Petra.

“Dexei o filme me guiar, sem muitas amarras, e ele me levou à interação mais direta. Ele me pediu para eu me colocar em cena. São coisas surpreendentes e que uma obra é capaz de ir te exigindo”, explica a também atriz que, aos 29 anos, acumula quatro anos de vivências no exterior, tendo morado em Londres e Nova York. Foi na cosmopolita cidade norte-americana, aliás, que a cineasta buscou ânimo e fragmentos de memórias para a composição de Elena. O título sai do batismo da irmã, a princípio, uma feição incompleta, que, propulsou a criatividade de Petra, num universo de imprecisões e de licenças poéticas.

“Na verdade, a necessidade de conceber o filme veio há uns 12 anos. Eu fazia um workshop teatral no qual foi proposto exercício que demarcasse meu livro da vida. Remexer no diário da minha irmã, à época em que tinha perto da minha idade, resultou no meu primeiro encontro com ela, a partir de palavras escritas. Lendo, tive a impressão de ler minhas próprias palavras. Me identifiquei muito”, observa.

Registros familiares caseiros, o modelo de vida da irmã — “pronta a dar 100% dela em tudo, sem se economizar” — e “reflexões mais existencialistas e pessoais” inspiraram uma jornada rumo a Nova York, cidade na qual, dentro do filme, a diretora empreende tentativa de reencontro com a irmã, há anos, afastada. Alinhada à carga em consonância com a de escritos de Clarice Lispector (objeto de culto em peça de Jayme Compri dedicada a Elena Andrade), a realização se moldou em exemplos de “coragem e lições de liberdade” assimiladas no seio familiar. “Todo filme é uma exposição muito grande por parte do diretor, seja ela assumida ou não. O longa faz parte de mim, então, não consigo me ver como espectadora”, explica.

Participação ativa
Realizadores forjados na realidade francesa, Agnès Varda e Chris Marker (morto em julho passado) foram referências assumidas, em termos de formato audiovisual para a produção orçada em R$ 1 milhão. “Tratamento” em expansão, pelo que nota Petra Costa, a inclusão dos diretores dentro de documentários ganha contornos de humilidade, pelo que apontou Marker (“a única coisa que tenho a oferecer sou eu mesmo”). Reflexões sobre vida, arte e relações amorosas marcam o ponto de transição e de maturidade agregado ao filme. Vale a lembrança de que outros três filmes na disputa por troféus Candango seguem a cartilha da participação direta dos realizadores: caso de Otto (em que Cao Guimarães registra a gravidez da mulher dele) e de Um filme para Dirceu e Doméstica, ambos propostos a partir de pessoas muito próximas aos objetos da narrativa fílmica.

Depois da vinda ao Festival de Brasília, na função de assistente de direção de Transeunte, Petra Costa teve ainda mais nítida a perpectiva de projetar Elena na capital. “Vi, claramente, que Brasília era para debates e para reflexão”. Depois dos estudos em teatro e psicologia, mesmo involuntariamente, deixa tema a ser debatido, pela experiência de estar tão cercada de profissionais femininas, nos bastidores de Elena. “Acredito na humanidade. Tenho queda pro feminismo, mas trabalhar com mulheres na equipe foi obra do acaso. No mercado, há muitas mulheres no ramo da edição. É são boas nisso, desde a época das colheitas, em que os homens respondiam mais pela caça. No meu caso, com a Tina Baz, Marília Moraes e Idê Lacreta, contei com quem tinha um olhar preciso sobre o que colher. Foram delicadas e minuciosas”, conclui.

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