Elena, o filme

Por Nina Rosa Sá – Jornal Caiçara – 13 de junho de 2013

O filme é um documentário, escrito e dirigido por Petra Costa, sobre sua irmã, Elena. O tom em que o documentário é narrado já deixa claro desde o início que algo aconteceu a Elena e Petra não pôde conhecê-la direito para além de seus sete anos de idade. O filme então vira uma busca dilacerada e incessante por Elena. E nesta busca Petra vai ficando cada vez mais parecida com a irmã. Ela se vale de imagens própria caminhando pelas mesmas ruas de Nova Iorque em que Elena caminhou, e depoimentos, especialmente da mãe das duas. Elena aparece em vídeos caseiros, reportagens de jornal e funciona como uma segunda narradora, já que mandava cartas gravadas em cassete para a família no Brasil, que Petra utiliza para construir seu mosaico.

Os críticos chamaram a busca por redenção a que Petra se lança de pretensiosa, autocentrada, chata e outros adjetivos. Mas vamos lá, não tem muito como uma coisa dessas não ser autocentrada. A reclamação geral é que o filme, enquanto sujeito, não consegue olhar para fora de seu próprio umbigo, e que por isso não alcança as pessoas. Talvez seja verdade para algumas pessoas. Definitivamente não para todas. Se for possível abandonar uma análise completamente analítica, se abandonarmos esta ideia de que o documentário deve nos revelar algo, nos mostrar, acabamos percebendo que o documentário é sobre várias coisas, não apenas Elena. A moça, aliás, serve como meio para uma mensagem. O filme é sobre Petra, sobre a mãe, sobre a relação com a arte. Sobre a ideia de hereditariedade artística, por assim dizer. E funciona bem. Eu não quero descobrir Elena por inteiro, porque sua própria irmã está impossibilitada de fazê-lo.

Quanto à pretensão, bom, o filme é um tanto pretensioso mesmo. Em duas vias, uma boa e outra ruim. A boa é que realmente soa extremamente pretensioso achar que as pessoas vão querer ver um filme sobre sua irmã, ou sobre a relação dela com você, com sua mãe e a arte. Porque né… quem diabos é Elena Costa e o que me interessa as relações interpessoais dela e sua busca pelo sucesso artístico nos Estados Unidos? Pois é, mas de repente, pelo modo como a história vai sendo contada, e especialmente pela presença de uma mãe destruída em arrependimento e mágoa, a coisa toda passa a interessar sim. E muito. A via ruim é a coisa artística demais, rebuscada, sempre buscando metáforas visuais, culminado com uma referência à Ofélia de Shakespeare com várias mulheres boiando na água – inclusive Petra e sua mãe. Há momentos em que isso cansa. E cansa mesmo. E soa pretensioso e, pior, chato. Mas não são tantos momentos assim, e a narrativa, por mais fragmentada que seja, não se perde.

Outra coisa que me disseram por aí, ao alegarem o não-gostar do filme, é que era um filme muito feminino, que era mais fácil mulheres gostarem esse identificarem com ele. Um tanto simplista. Realmente as figuras femininas predominam. O pai de Petra e Elena é mencionado, aparece algumas vezes em vídeos antigos e depois se esvai. Jamais descobrimos sua relação com a família. E faz falta. Claro que faz. Mas talvez não tenha sido uma opção da diretora e sim do pai, também dilacerado com a história toda. Não saberemos.

Então sim, é claro que a relação com feminino está presente, mas não restringe o filme a um público feminino. Por acaso fui assistir com meu pai e ele gostou muito. Porque a dimensão do humano e das relações é mais importante em Elena – o filme do que as relações entre e com o feminino.

Como a irmã Petra também se tornou atriz. A ideia do filme começou como um exercício que ela fazia com seu grupo de teatro. Nessa nova linha de pesquisa teatral de falar sobre si próprio de maneira a extrapolar para o universal (como tão bem fez a já comentada neste espaço Cia. Hiato) Petra acabou encontrando as coisas da irmã e usando isto como seu material. Mas a comunicação com o material foi tão profunda que acabou virando ideia e depois filme.

ELENA, o filme não é, nem de longe, o melhor documentário já feito no Brasil. Mas é um filme bonito, com uma história extremamente pessoal que pode não atingir todo mundo, ou ao menos não de maneira uniforme, mas convenhamos, nenhuma obra de arte atinge o público de maneira uniforme. O documentário não reinventa nenhum mecanismo poético ou estético, mas alterna com beleza a história de três mulheres, uma tragédia e o amor à arte.

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