Elena impacta com a forte presença da ausência

por: Ailton Monteiro, Pipoca Moderna – 2/6/2013

A presença e a ausência. Ou a ausência da presença. São os elementos que não só integram “Elena”, como também o justificam. A diretora Petra Costa fez um longa-metragem muito pessoal sobre a perda de sua irmã Elena, que cometeu suicídio na década de 1990. Como forma de exorcizar o passado, a dor, a saudade, Petra resolve seguir os passos de Elena, quando esteve em Nova York para tentar ser atriz de cinema.

O grande trunfo de “Elena” está nas imagens de arquivo, que funcionam como poderoso meio de nos apresentar à própria Elena, por meio dos recursos do cinema. Na literatura, não veríamos seu rosto, suas expressões. Tais imagens normalmente só interessariam aos familiares, mas dentro do registro do filme ajudam a compor uma a narrativa de maneira gradual, guardando uma sequência mais forte para o momento da morte.

Há documentários muito mais fortes nesse sentido (penso em “Dear Zachary: Um Caso Chocante” e em “O Homem-Urso”), mas o que vemos em “Elena”, quando surgem os detalhes da morte do ponto de vista dos médicos legistas, é uma intenção mista: tanto de causar impacto (vindo da artista Petra Costa) quanto de prestar homenagem à irmã, com o maior dos silêncios (vindo da irmã de Elena).

“Elena” é um filme corajoso. Com cheiro de morte, já que tanto a própria mãe pensou em se matar, quanto a pequena Petra. A dor da mãe e da irmã, no entanto, parecem atenuadas nas imagens atuais, quando elas falam ou apresentam imagens de Elena ou de Petra no passado.

Uma sequência que chama a atenção é quando a mãe, ao falar sobre um prédio onde Elena supostamente esteve, atenta para a beleza de uma árvore. A câmera sobe para verificar as belas folhas da árvore. Como se a mãe, naquele momento, quisesse espantar a tristeza e atentar para a beleza da vida e do mundo material.

O filme cresce à medida que pensamos nele. Alguns momentos não saem fácil da memória, como o desespero do amigo americano, o total silêncio do pai de Elena (capaz de deixar o espectador com um nó na garganta), a lua brincando, a própria Petra adulta interpretando Elena nas esquinas de Nova York, sentindo-se fria e abandonada.

Além disso, há o registro oral de Petra endereçando-se a Elena e os registros de Elena, através de fitas cassete deixadas como um diário de sua viagem a Nova York, com palavras que no começo mostram-se cheias de esperança, para depois apresentá-la triste e sem rumo. É sem dúvida um filme em que há muito o que se pensar ou falar. Difícil de se esgotar.

Mas há também algo que parece depor contra Petra, que é usar a morte da irmã para fins bem pessoais. Mas dizer isso é também complicado e talvez injusto, embora seja algo que possa passar pela cabeça de muitos. Mais ou menos o que se falou quando João Moreira Salles dirigiu “Santiago” (2007), sobre o antigo mordomo da família. De todo modo, a arte está aí para ser não só apreciada, como também discutida. E o que não falta em “Elena” é motivo para querer se falar dela, como a própria cineasta atesta ao ligar a câmera sobre o vazio a seu lado.

Índice

(346 artigos)