ELENA é cinema de fato

por: Carol Almeida – blog Fora de quadro – 9/5/2013

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

O poema é de Carlos Drummond de Andrade e, assim como tantos outros versos, foram escritos especialmente para quem nele identifica algo muito íntimo e profundo de si próprio.

Ausência, de Drummond, foi por isso também escrito para Petra Costa.

Diretora de cinema, atriz, formada em Antropologia e Teatro no Barnard College da Columbia University, em Nova York, mestrado na London School of Economics, em Londres, ela também já estudou dança, psicologia e, mais recentemente, passou três anos se aprofundando em uma pós-graduação dessa ausência tão presente que sempre foi a sua irmã, a também atriz Elena Andrade.

Elena, além de memória, é o nome do primeiro longa de Petra, que estreia esta sexta no circuito comercial do cinema brasileiro [o filme estreou dia 10 de maio de 2013], desafiando um certo ranço que este mesmo circuito tem justo com as duas coisas que este filme é: documentário e poesia. Ou, nas palavras da própria Petra, uma “elegia”.

“Passei por muitas fases de ausência e falta. Na verdade, muitos anos após a morte da minha irmã, sentia como que um privilégio de tê-la dentro de mim. Sempre tive uma relação  muito de paz com a ausência dela e lembro que quando li pela primeira vez o poema do Drummond, pensei ‘nossa, sinto exatamente isso, eu consigo dançar com essa ausência’. Ela não é falta, é um presente. Porque minha irmã me acompanha e me inspira em tudo que faço”, diz Petra.

Vencedor do Juri Popular de Melhor Longa Metragem no último Festival de Brasília, além de ter levado os prêmios de Melhor Direção, Direção de Arte e Montagem no mesmo evento, o filme que Petra fez sobre a busca pela irmã que morreu quando a diretora tinha apenas 7 anos é tão melancólico quanto elegante. Tal como um registro em Super-8 de alguém que acabou de descobrir que pode fazer a Lua dançar.

O filme, pois, valsa nas imagens de arquivo de Elena, a jovem atriz e dançarina que foi tentar carreira em Nova York. A mesma cidade para onde Petra parte anos depois tentar, ela própria, ser atriz, e onde muitos anos após a morte de Elena, busca descobrir um pouco mais dessa pessoa até então líquida em suas lembranças. Aliás, essa liquidez e transparência são muito bem trabalhadas na fotografia e direção de arte do filme. Não é a toa que a cineasta usa palavras úmidas para descrever as sensações que a ideia de Elena lhe trazia.

“Quando eu tinha 19 anos, prometi fazer um filme sobre essa confusão entre eu e ela. Logo depois li Hamlet e vi em Ofélia o complexo que habitava tanto em Elena quanto em mim, que é esse momento da transição da adolescência pra vida adulta, de ser encharcada por emoções e quase se afogar nelas.”

Filme de montagem, esse documentário poderia ter seguido caminhos mais fáceis tivesse decidido, por exemplo, centrar sua atenção na mãe de Petra e Elena ou mesmo ter optado pelo velho modelo do filme de depoimentos intercalado por imagens de arquivo. E havia material bruto suficiente para ambas as opções. Em lugar disso, a diretora se atreve a ser a voz narradora de suas lembranças e usa as imagens de arquivo para criar uma primeira pessoa que se comunica universalmente. Elena não é, pois, um “exorcismo” com fim em si próprio, é cinema de fato.

Petra Costa diz que agora precisa de um intervalo até fazer um próximo filme – ainda que já tenha já bastante material para um documentário sobre sua mãe. Contente com o triunfo de Elena e em paz com a ausência de Elena, ela diz que este filme era um “dever”, agora cumprido, agora intimamente público.

 

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