Elena e a memória poética

Por Carlos Eduardo Lourenço Jorge – Jornal de Londrina – 9/8/2013

Elena na Universidade Estadual de Londrina (UEL) durante a campanha eleitoral da chapa Poeira para o DCE-UEL – setembro, 1974

O cinema, acima de tudo, é narrativa feita de imagens em movimento sobre determina história. E enquanto história, ele é a memória dessas mesmas imagens. O exercício da memória, por parte do espectador, consistiria então em dar conta do prazer que implica recordar imagens, sequencias ou cenas de filmes que, por uma ou outra razão, se transformam em emblemáticas pontas de icebergs de nossa própria história pessoal ou social. Prova disso é o admirável Elena, em lançamento hoje na cidade.

Apresentado e premiado em festivais no Brasil e no exterior, é um documentário. E sua beleza tem início aqui, nesta classificação de gênero que recentemente vem se ampliando e se diversificando. Elena é uma espécie de filme-testamento que se constrói durante a projeção, mas não se conclui por completo. Ele persiste como alguma coisa viva na memória de quem o realizou (e na nossa), já que é a um só tempo biográfico e autobiográfico.

Personagem emocionante, a Elena do título é irmã da diretora, Petra Costa. A história é sobre ela, atriz que sai do Brasil em busca de um sonho artístico em Nova York, mas não é bem sucedida, e esta tentativa termina de maneira trágica. É a crônica de uma experiência de vida abortada, narrada com sensibilidade e uma pegada quase minimalista. O que se vê durante boa parte dos 80 minutos é ótimo material de arquivo caseiro, cenas, fragmentos filmados e conservados como acervo afetivo, memória de um tempo de fraternidade que foi e que ficou. Mas o que se observa com enorme prazer é também o universo real/lírico/onírico que Petra constrói para transportar sua obsessão em recuperar a memória de um passado que pode (ou não) explicar e tornar suportável a presença de uma perda, de uma dor, de um reencontro e de uma pacificação interior.

Atualmente existe um consenso entre críticos, historiadores e pesquisadores com respeito ao cinema documental como território de experimentação e desenvolvimento das propostas mais inovadoras, sejam estéticas ou temáticas. Elena, de maneira a não deixar dúvidas, se inscreve no viés performático-poético. Petra Costa literalmente “atua” na primeira pessoa. Ela se materializa em cena, seja intervindo com seu próprio corpo, seja atrás da quase onipresença na narrativa. Presença dela e presença da ausência de Elena. Este é um documentário a um só tempo biográfico e autobiográfico, através de olhar fortemente subjetivo. É filme feito de relatos afetivos profundos ao falar na primeira pessoa, pessoa que fala sobre si mesma, fala com a outra e sobre a outra, Elena, irmã de Petra. O corpo presente da cineasta, e da irmã, e de sua mãe via fragmentos de velhos filmes domésticos impõe prova irrefutável do cinema-verdade, um cinema-verdade nunca frio e distanciado, mas banhado de sentimento e lirismo. Sem memória não há poesia e nem há paz, poderia ser o epitáfio para esta bela elegia. Elena, sem fazer qualquer proselitismo, recupera ainda um momento crucial da história recente do país: a personagem viveu parte de sua infância na clandestinidade, filha de pais militantes políticos na luta contra a ditadura. Mais tarde, o desmantelamento da cultura nacional patrocinado por Collor de Mello exerceu decisiva influencia em sua determinação de ser atriz e provocou sua mudança para os Estados Unidos.

No momento de dar título a este texto, pensei também em algo como “a perda compartilhada”. Porque Elena é, em ultimo lugar, mas não menos importante, uma história de perda generosamente compartilhada porque a diretora Petra, em relato de extrema coragem na exposição da dor, parte do pessoal em busca de um território emocional muito mais abrangente. E afinal encontra esta universalização.

O filme está em cartaz no Cine Com-Tour UEL
9 a 15 de Agosto
Sexta, todos pagam meia: R$6
20h30 todos os dias e sessões extras às 16h00 sábados e domingos.
Av. Tiradentes, 1241 – Parque Alvorada Shopping Com-Tour – Londrina/PR

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