Delicadeza e lirismo

Por: Suyene Correia – blog Bangalô Cult – 15/8/2013

Alfred Hitchcock dizia que a elaboração visual e a montagem são a essência do cinema puro. Ao assistir “Elena” de Petra Costa tem-se a impressão, que a diretora alcançou esse cinema pleno, na primeira tentativa de se fazer um longa-metragem (premiado com quatro prêmios no Festival de Brasília de 2012).

Petra tinha 7 anos quando Elena se foi, abruptamente. Dez anos depois, quando fazia um workshop com o Teatro da Vertigem, Petra foi incumbida de escrever algo sobre sua vida, como dever de casa. Ao procurar seus diários, encontrou um de Elena e, a partir de então, descobriu o quanto sabia pouco sobre a irmã. Precisava conhecê-la melhor e também se conhecer melhor.

Motivou-se em revirar o baú de memórias (seu e de Elena) e partiu para Nova York, última residência da irmã, a fim de encontrá-la nas esquinas, na fala dos antigos amigos, na casa onde dividiram alguns meses de estadia. O resultado pode-se conferir na tela de cinema, após a sessão desse impactante documentário.

A diretora trata de um tema tabu com uma delicadeza e lirismo impressionante. A partir de um riquíssimo arquivo familiar, incluindo vídeos, áudios e diários, ela vai alinhavando a sua história com a da irmã e da mãe. É Petra que nos conduz, em voz off , a uma odisseia de perda, sofrimento e superação e também de autoconhecimento.

Petra identifica-se muito com Elena. Sua afinidade com as artes cênicas desde a infância, o desejo de fazer cinema e os dramas existenciais que vivenciou na juventude são alguns dos pontos em comum com a irmã. Sem contar a semelhança física, que fala a favor, da realizadora, quando interpreta, no filme, o papel duplo: dela mesma e de Elena.

Mas ao contrário desta última, Petra não se deixou envolver, exclusivamente, pela arte, trilhando a carreira de antropóloga e tornando-se uma pessoa mais forte, menos vulnerável, como a irmã. Ainda que tenha dito a certa altura do filme, “enceno a nossa morte para encontrar ar”.

Muito mais que um filme-homenagem, “Elena” transcende a obra pessoal, ao tratar de um tema universal. Esse é um de seus trunfos, fazendo com que o espectador desenvolva um certo fascínio por uma personagem que deixou saudade. Outro ponto a se destacar é o tratamento das imagens, sejam elas ficcionais ou documentais.

Os diretores de fotografia- Janice D’Avila, Will Etchebehere e Miguel Vassya- fizeram um trabalho invejável na cena do balé na água. No início do filme, de forma fragmentada, abstrata, ao som de “Turn to Water” de Maggie Clifford, a sequência aquática parece um tanto deslocada.

À medida que a história de Elena/Petra vai sendo revelada, faz todo sentido o seu mergulho e o da mãe, nas águas plácidas no rio da Barra do Una, no município de São Sebastião (SP), como a Ofélia afogada de Shakespeare. É preciso morrer, para renascer. Ainda que, simbolicamente.

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