Olhos de Ressaca – primeiro curta de Petra Costa – por Emerson Lima
13 de outubro de 2016

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No final desse lindo filme – o primeiro da diretora Petra Costa – acompanhamos com um sorriso no rosto e algumas lágrimas pedindo licença, os créditos finais. Percebemos que o nome da diretora aparece em vários setores como produção, roteiro e montagem; isso provaria, em outra análise, o quanto é difícil fazer cinema independente no Brasil, restando ao artista abraçar todos os pequenos detalhes da sua obra. Mas após “Olhos de Ressaca” essa afirmação é contraditória; a onipresença por parte da realizadora é quase uma devoção exagerada, uma mãe que abraça a sua arte e, por descuido, a devora.

Petra Costa é uma preciosidade que transita por entre a sensibilidade humana, dialogando direta ou indiretamente com a perda e, na maioria das vezes, consegue achar o brilho na ausência pela sua postura crítica e revoltada diante da normalidade. Ela inverte o normal e agride o tempo, consultando-o como um oráculo mas se desviando constantemente das suas obrigações.

Como documentarista, destaco a sua humanidade que, ligado com a sua visão fotográfica, consegue registrar o eterno de pequenos movimentos; o colorido do preto e branco e a vida da morte. Ela ultrapassa a barreira da vida e cria poesia com a sugestão, faz sorrir com a sua montagem e, por fim, nos relembra da importância do equilíbrio.

Esse documentário percorre a vida de dois seres humanos, casados há 60 anos: Gabriel e Vera. Eles falam como se conheceram, a intensidade, passando pela aceitação até culminar no carinho. Talvez o amor seja esse sentimento profundo de querer bem, simplesmente. Quando o fato de ser casado não atinge mais a obrigação e o “dois” se transforma em “um”.

O título do filme faz referência à um trecho do livro “Dom Casmurro“, onde há uma descrição dos olhos de Capitu como sendo “olhos de ressaca”. Àquele olhar que trás tudo para si, contempla o mundo e o devora. O amor é improvável demais, parte de um desencontro, por isso, é uma sincronia perfeita de ilusões.

Em uma cena, Vera está na piscina e começa a tocar “Valsa para a Lua“, do Vítor Araújo. Exatamente no momento em que ela começa a falar da sua mãe, que falecera. Então é questão de segundos para percebemos que Petra não veio ao mundo por acaso, ela tinha que deixar suas emoções e esperar que outros pudessem entender tanto quanto ela. A brevidade da vida não tira a emoção de viver, mas nos dá humildade para o fazer com calma.

Se alguém apontar o dedo para você e te julgar por conhecer pouco da vida, por ser criança… diga, com todo orgulho do mundo: “eu vi a alma de Petra Costa“.

“olhos de cigana oblíqua e dissimulada.” Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas.”



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