Balé Aquático

por: Leonardo Ribeiro – Olhares em Película – 14/5/2013

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Trabalhar com um tema muito pessoal pode se mostrar uma faca de dois gumes para um diretor. A proximidade com o material pode tanto gerar um domínio completo sobre o assunto, quanto afetar o olhar de seu autor. Em “Elena”, a cineasta Petra Costa consegue trabalhar uma história totalmente autobiográfica, escapando quase ilesa das armadilhas que poderiam surgir pelo caminho e tirando exatamente daí a força de seu trabalho. A Elena do título é a irmã da diretora, uma garota de 20 anos que foi morar em Nova York no início da década de 90 em busca do sonho de se tornar uma atriz de cinema. Mais de 20 anos depois, Petra volta à Big Apple em busca das memórias de sua irmã e também de exorcizar alguns fantasmas de seu passado.

Apesar de se tratar de um documentário, a diretora busca sempre fugir dos padrões estéticos do gênero. Sem utilizar depoimentos com os personagens em enquadramentos estáticos, falando diretamente para a câmera, Petra Costa reconta de uma forma quase ficcional a trajetória da irmã, através de uma narrativa fragmentada, que aos poucos vai tomando forma para desvendar o mistério de Elena. Utilizando muitas filmagens de família e fotografias, a diretora intercala o passado com passagens suas no presente, refazendo os passos de sua irmã nos Estados Unidos.

A proximidade da diretora com o tema abordado faz com que a imagem de Elena na tela seja a de uma Elena idealizada, vista através dos olhos de uma criança de 7 anos (idade de Petra na época em que a irmã saiu de casa). Ainda que a versão de Elena vista no longa seja a criada pelas memórias de sua irmã, essa Elena sempre soa real, crível e realmente fascinante. Por isso mesmo, os momentos em que a diretora narra os fatos com um “tom poético” não parecem forçados ou gratuitos, funcionando com naturalidade, pois vão de encontro ao verdadeiro mito que é criado em torno de Elena.

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A maneira afetuosa como a história é conduzida influencia não só na maneira com que Elena é retratada, mas como o público acaba enxergando-a. O amor de Petra pela irmã faz com que nos identifiquemos com a personagem e acreditemos que ela era realmente uma mulher diferente e encantadora, cujo fascínio exercido sobre irmã era redirecionado a todos. Mesmo sem saber muito mais sobre outros aspectos da vida e da personalidade de Elena, o peso da história real e a narrativa de Petra são suficientes para que o impacto dos acontecimentos seja sentido na tela. E é mesmo quase impossível não se comover com os depoimentos da mãe das garotas sobre os momentos mais difíceis ao lado de Elena. São momentos fortes, que conseguem ser narrados com poesia e sem maniqueísmo.

Em seu primeiro trabalho na direção de um longa metragem, Petra Costa demonstra ter um olhar extremamente sensível para os detalhes e um ótimo domínio técnico. O trabalho de edição é muito cuidadoso, assim como o de edição de som e trilha sonora, que ajudam a criar a atmosfera mítica do filme. Além de saber utilizar muito bem as imagens de arquivo, como na sequência em que Elena filma o céu à noite e diz estar “dançando com a Lua” ao movimentar a câmera, a cineasta cria belíssimos momentos visuais, como a cena em que a própria Petra e a mãe são levadas pela correnteza de um rio, juntando-se a diversas outras mulheres. Essa cena carrega um grande simbolismo, pois determina o momento em que Petra sai da sombra de sua irmã, tirando de suas costas o peso da tragédia.

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Essa vontade de se distanciar, mas sem abandonar a memória da irmã, se apresenta como o grande conflito do filme. O tempo todo Petra mostra como Elena a influenciou, fazendo-a cantar e “atuar” ao seu lado nos vídeos caseiros de família desde muito pequena, o que leva Petra a decidir prestar o vestibular para o curso de Teatro na última hora. Diversas vezes também ouvimos como Petra lembra a irmã, tanto na aparência quanto nos trejeitos e temperamento, como ocorre em uma interessante sequência em que a diretora caminha contra a luz, que desfoca a imagem, enquanto escutamos várias pessoas diferentes (que não sabemos quem são) comparando-a com a irmã e apontando as semelhanças entre as duas. Esse tipo de imagem, aliás, é uma constante no filme. Em boa porte das cenas em que aparece vagando pelas ruas de Nova York, Petra não mostra seu rosto, como alguém que acima de tudo ainda busca a própria identidade e não ser apenas um  reflexo da imagem da irmã.

Tudo isso nos leva de volta à cena do rio. Através das águas que correm, Petra lava a sua alma, e o “quase balé aquático” visto na tela, com os corpos das mulheres à deriva, só reforça a importância da dança na história. Mais do que da dança, do movimento. Pois assim era a Elena de Petra: um ser livre, que precisava estar em constante movimento para se manter vivo. Ao final, quando a diretora filma a si mesma dançando pelas ruas de Nova York, imitando a irmã, sabemos que mesmo depois dos traumas superados, Elena nunca será esquecida. Nem por Petra e nem pelos espectadores deste belo filme.

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