A arte de Elena

por: Marana Torrezani MedeirosO Jornal de Hoje (Natal/RN) – 13/6/2013

Aproveitei minha passagem por São Paulo pra conferir o documentário autobiográfico da jovem diretora Petra Costa, já que filmes como esse (menos comerciais) raramente chegam às poucas salas de cinema de Natal.

Petra tinha 7 anos quando sua irmã Elena deixou o Brasil rumo a Nova York atrás do sonho de ser atriz de cinema. Sonho que outrora foi de sua mãe e tempos mais tarde também se tornou seu. Quase duas décadas depois, a diretora refez os caminhos de sua irmã mais velha que cometeu suicídio aos 20 anos.

“Elena” é narrado pela própria Petra que misturou ao lindo trabalho fotográfico e construção plástica delicada do filme, as fotos do acervo de família, recortes de jornal e parte das quase 40 horas de vídeos caseiros gravados pela irmã.

A atriz não tinha o hábito de escrever por não gostar de sua caligrafia, então gravava sua rotina em fitas cassete, que eram enviadas ao Brasil para sua família. Ela não sabia, mas suas “cartas faladas” deram ao trabalho da caçula, o fundamental tom melancólico de sua personalidade.

É possível sentir e perceber a evolução da angústia de Elena no decorrer do documentário. Conforme o dia de sua morte se aproxima, seus desabafos vão ficando gradualmente mais depressivos, e eu fui ficando devastada ao perceber o sopro de vida da protagonista cada vez mais distante.

Eu que costumo chorar no cinema, não chorei em “Elena”. Não consegui. Fiquei sentada, olhos marejados e uma sensação sufocante que fez minha garganta doer, doer muito. Acho que chorei por dentro. Não consegui parar de pensar no feito da diretora.

O Longa é a realização do projeto de sua irmã, uma realização do projeto de sua mãe que na juventude, em meio à ditadura, também sonhou ser atriz (mas acabou virando jornalista). É uma ode à saudade.

Assim como Petra, sua mãe também “atuou” no filme. A dor da mãe que perdeu a filha aparece estampada na tela. Ela que confidenciou ter pensado em se matar levando consigo a filha caçula, após a morte da primogênita. Talvez uma tentativa de unir de novo a família ou talvez apenas um ato de desespero. Quem pra entender ou julgar uma mãe?

Fato é que as três estão lá, juntas na película. Dançando, chorando, sorrindo. Iguais em suas aspirações e iguais na existência autodestrutiva. A semelhança física entre as duas irmãs também confunde o expectador. A narrativa de ambas se mistura de forma que é impossível separar a dor das personagens.

Ouvi uma Elena animada por conhecer ao acaso, o renomado diretor Coppola que chegou até a convidá-la pra acompanhar as gravações de “O Poderoso Chefão 3?. Mais tarde, na sua decepção ao perceber que a vida não é colorida como imaginamos na infância, ouvi-a dizer que preferia a morte, diante da impossibilidade de fazer arte.

A jovem atriz não conseguiu atuar no cinema, mas deixou seu legado artístico registrado. Estrelou pelas mãos de sua irmã, uma extensão dela mesma, a película 20 anos depois da sua morte. O filme da sua vida. O eterno luto de Elena. (*MTM é graduada em Rádio, TV e Cinema pela Uniban-SP)

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