Elena e eu

Por João Pedro Pacheco Chaves, no blog Visões de Cá – 18/10/2013


Lá se vai mais de um ano desde a minha última vinda até aqui. E venho chamado por um despertar ao assistir a Elena (2013) – graças a um presente da revista piauí. A película é dirigida por Petra Costa, que conta, com sua própria voz (a mim com dor, emoção e saudade), sua própria história – guiada pela vida de sua irmã, que suicida-se aos vinte.

Um história trágica, de uma alma sensível que, embebida em sonhos e arte, se choca com o mundo: cru, tenso e, sobretudo, humano. Adicionado de desilusões e da solidão, o choque de tudo isso com a sensibilidade é doloroso e fere, machuca e deixa marcas.

A obra caminha a partir de registros audiovisuais da família, que nos remetem ao nascimento de Petra e ao seu embalar nos braços de Elena. Surgem as primeiras danças, as primeiras desilusões e o florescimento da atriz, da artista. Chama atenção o registro impactante de uma atuação visceral de Elena no teatro. A artista ruma ao norte, em busca da carreira no cinema e no teatro. Sofre com a solidão, retorna à casa e volta novamente (acompanhada da mãe e de Petra) aos Estados Unidos. Mais uma vez um registro profundamente carregado de emoção quando vemos uma entrevista de Elena numa seleção – os olhos que misturam esperança e lamento e solidão. Talvez aquele olhar  corporifique, em definitivo, a angústia anunciada (e sentida por antecipação) ao saber do filme e do que irá contar.

A mim sempre foi muito duro pensar sobre o suicídio, por mais distante que estivesse de mim aquele que chegou a esse fim. Mas mais ainda quando se trata de uma vida breve – estranhamente, me vem aos olhos todos os anos por vir, toda a história que nunca será escrita. O filme nos prende rente a ele à medida em que surgem Petra e sua mãe, num relato-reflexão-memória dos dias que culminam na trágica partida de Elena. De todo vazio e de toda a dor, talvez num tom egoístico, me remeti a mim mesmo. Marcavam-me, na tela, as imagens do apartamento em que moravam, do hospital, do olhar ao longe da mãe, da narração (quase) embarga de Petra, do laudo, da perda. A dor da menina Petra, a vontade de morrer, a tendência depressiva, o entender da morte e o medo de que ela leve quem nos guarda.

Depois flashes de mim. Era como se hoje eu fosse Petra, revivendo a mim mesmo, imerso no passado, nos tempos em que fui Elena. Não que isso se trate de um comparação de dores e sofrimentos – seria injusto, desonesto, falso – é apenas, talvez, um impulso egoísta. Mas ir a mim mesmo, contar-me e refletir sobre um vazio enorme, oriundo da busca descontrolada de preenchimento e prazer. Mas mais que isso, me remeteu à minha própria vivência de momentos depressivos, de momentos em que imaginava o que seria dos outros se aplacasse a minha dor com a ausência, de momentos em que pensei em como partir. Se escreveria, se ia sem deixar recado. Se de fato aquilo não teria um fim ou, talvez, se tudo aquilo poderia ser reparado. Em um dado momento escrevi o mais intenso, real e triste de meus poucos textos: O salto. A dependência, a solidão, as desilusões, os sonhos em branco e preto, a ilusão das pessoas para comigo, o fingimento, a dor.

A película nos leva aos extremos do sofrimento pela perda, pela culpa e pela saudade. Prossegue denso e poético por um processo de autoconhecimento, até que o sofrimento vira água, onde se afunda e se emerge. Após vagar, passar e repassar, a dor vira memória, a compreensão guarda apenas saudade. Com muita sensibilidade e poesia, Petra abandona a narração e agora (apenas) atua, dança pra lua – como o fez/faz a irmã.

Como repiso à exaustão, não entendo absolutamente nada do cinema. Apenas sinto, ainda que de forma equivocada. Após a audiência, resta a digestão quase corpórea das imagens, dos sons, da trama. Apenas a sinceridade para com a história e o sentir verdadeiro fazem com que uma saga de dor e tristeza possa ser contada com tanta poesia e sensibilidade, justamente no longa de estreia da diretora. Sinto-me profundamente feliz por testemunhar esta belíssima história. E sinto-me profundamente agradecido por, além disso, a obra ter-me proporcionado olhar para traz e sentir a esperança de um dia dançar pra lua.

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